09/12/2021 O Globo Notícias da Imprensa
Passageiros no Aeroporto Internacional Galeão-Tom
Jobim Foto: Márcia Foletto/Agência O Globo
O
Globo – O governo trabalha em duas frentes para vencer resistências do
governo do Rio à privatização do Santos Dumont. Autoridades locais temem um
esvaziamento do Galeão (Tom Jobim), que pode perder ainda mais voos internacionais
e isolar a cidade, com um eventual crescimento do terminal central da capital.
Uma das opções é
limitar o crescimento do Santos Dumont para dar tempo de recuperação do
aeroporto internacional. A outra é usar os recursos das outorgas dos terminais
para a construção de um metrô ligando os dois aeroportos, projeto de R$ 5,5
bilhões.
Segundo técnicos que
estão participando das discussões, serão feitos ajustes no edital de concessão
do Santos Dumont que, na prática, vão permitir ao Galeão mais tempo para
recuperar o volume de passageiros.
O aeroporto
internacional da cidade, privatizado em 2013, nunca atingiu o número de
passageiros previsto na concessão e viu voos internacionais migrarem para
Guarulhos (SP).
Mais prazo para obras
Uma das demandas das autoridades do Rio é somente liberar o crescimento do
Santos Dumont, inclusive para rotas internacionais, quando a cidade atingir
patamares mínimos de passageiros. Assim, acreditam, haveria condições de os
dois terminais terem operações sustentáveis economicamente.
Para dar um fôlego ao
Galeão, serão feitos também ajustes operacionais no Santos Dumont: o prazo para
que o operador do terminal execute a obra que permitirá a obtenção de
certificação internacional para ampliar os voos vai subir de três para cinco
anos.
Durante esse período,
Santos Dumont continuará com os atuais 23 movimentos por hora (pouso e
decolagem), podendo receber apenas aeronaves com capacidade para até 180
passageiros – o que resultará na manutenção de nove milhões por ano, segundo fontes
do governo.
A partir da
certificação, será possível realizar 30 movimentos por hora e a expectativa é
que o volume de usuários por ano suba para cerca de 13 milhões de passageiros.
Edital é inaceitável,
diz Paes
Questionado sobre o projeto, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, voltou a afirmar
que uma concessão sem limitar a operação do Santos Dumont vai inviabilizar o
Galeão.
— Ou (o edital) cria
restrições ao Santos Dumont ou nós vamos inviabilizar o Galeão, porque o Galeão
é de conexão — disse Paes.
Ele disse ter
recebido números sobre voos, incluindo decisão da Anac desta semana sobre a
renovação dos slots (permissão de pousos e decolagens) no Santos Dumont.
— Inviabiliza o
Galeão. Eu acho muito boa a história do Metrô. Se puder fazer, se o governo federal
voltar a financiar grandes investimentos no Brasil, é ótimo. Mas o que precisa
é de uma redução de escopo do Santos Dumont — afirma o prefeito, acrescentando:
— A maneira como está
colocado o edital de concessão é para destruir o Rio de Janeiro. É inaceitável.
Ele aproveitou a
ocasião para fazer uma provocação ao ministro da Infraestrutura, Tarcísio de
Freitas, que é quem comanda os processos de concessões em infraestrutura no
país.
— Respeito muito o
ministro da infraestrutura, mas eu estou preocupado. Ele vai sair governador de
São Paulo agora. Espero que já não seja uma campanha destruindo o Rio de
Janeiro.
Um executivo próximo
às negociações e que prefere não se identificar pondera que é preciso atenção
para que as decisões não sejam tomadas por motivações políticas.
Ele destaca que as
dificuldades enfrentadas pelo Galeão resultam desde problemas com a modelagem
do leilão de concessão do ativo, passando por entraves da economia fluminense,
incluindo segurança. “A solução tem de vir por diversas vias, podendo chegar a
um reequilíbrio de contrato ou mesmo devolução do ativo”, diz ele.
Renato Sucupira,
presidente da BF Capital, consultoria no mercado de infraestrutura, avalia que
limitar as operações no Santos Dumont reduziria a atratividade do leilão do
aeroporto.
— Limitar os voos no
Santos Dumont atrapalha para o setor privado. Já a opção de botar dinheiro da
outorga para construir o metrô é ótima. É uma medida nova (de direcionar o
dinheiro para o estado), nunca usada em outros leilões, e inteligente. O
recurso seria aplicado em melhoria para o Rio — pondera ele.
O esvaziamento do
Galeão, argumenta Sucupira, vem do esvaziamento econômico do Estado do Rio,
entre outros fatores:
— O Santos Dumont
sempre existiu e não destruiu o Galeão. Mas caiu o internacional no Galeão
porque o turista passou a ter medo de passar pela Linha Vermelha, pela Linha
Amarela. E as companhias aéreas migraram para São Paulo, criando hubs (centros
de distribuição de voos) onde o ICMS era mais baixo. Só que isso reduz ainda mais
o turismo no Rio — admite o especialista.
Sobre o traçado ideal
de uma linha de metrô para conectar o Centro do Rio com a Ilha do Governador,
ele diz que dependerá da solução técnica escolhida para o projeto.
— Hoje, tem muita
tecnologia para dar uma solução extremamente atrativa (a essa linha de metrô).
O importante é carimbar o recurso para isso, o que faz toda a diferença —
afirma.
Para Fernando
Villela, coordenador do Comitê de Regulação de Infraestrutura Aeroportuária da
FGV Direito Rio, a restrição às operações pode ser uma saída, mas deve ser
usada com cautela.
— Restrição a
operações de um aeroporto precisam ser motivadas por razões técnicas para não
reduzirem a atratividade nem a criatividade na exploração do ativo por empresas
interessadas. E essa restrição deve, preferencialmente, ser limitada no tempo,
para dar previsibilidade de quando o ativo poderá ser explorado plenamente.
Ele destaca que o uso
de forma cruzada de recursos obtidos por meio de pagamento de outorgas ao
governo federal é permitido pela legislação e começa a ser usado no setor de
ferrovias. No Rio, continua ele, seria uma forma de criar uma alternativa de
acesso seguro e eficiente ao Galeão.
Mudanças também em
Congonhas
A ampliação no prazo para a execução da obra necessária para a obtenção de
certificação internacional também será adotada em Congonhas, que tem previsão
de ser concedido juntamente com o Santos Dumont.
O terminal paulista
opera hoje com até 33 movimentos por hora e recebe 22 milhões de passageiros
por ano.
A partir da conclusão
da obra, o número de movimentos por hora chegará a 44 e o volume de passageiros
por ano alcançará 30 milhões, segundo estimativas do governo.
Segundo a última
versão do edital, o Santos Dumont será leiloado em blocos de terminais com
lance mínimo de R$ 355 milhões.
O investimento total
está estimado em R$ 2,3 bilhões, sendo R$ 1,3 bilhão só no Santos Dumont, em
razão da necessidade realizar obras para corrigir inadequações e obtenção da
certificação internacional.
Além disso, uma outra
sugestão analisada pelo governo é definir que parte dos recursos a serem pagos
pelos concessionários dos dois aeroportos à União a título de outorga poderão
ser aplicados na construção de um metrô para ligar a área central do Rio à Ilha
do Governador.
Em fevereiro, a
Secretaria de Estado de Transportes anunciou ter elaborado um projeto em
parceria com a RIOgaleão de um metrô leve de superfície, partindo da estação
Estácio, no Centro, rumo ao aeroporto internacional. O projeto, orçado em R$ 2
bilhões, teria sete estações, incluindo rodoviária e Complexo da Maré.
— A economia do Rio
foi abalada nos últimos anos, e a capacidade de resposta é mais lenta que a
média. Neste momento, temos dois terços dos voos domésticos no Santos Dumont e
um terço no Galeão. Deveria ser o contrário. Então, precisamos limitar os voos
no Santos Dumont até reequilibrar o volume de passageiros — diz Delmo Pinho,
ex-secretário estadual de Transportes e à frente do Conselho de Logística e
Transporte da Associação Comercial do Rio de Janeiro. — O metrô dá acesso a
Galeão, mas beneficia a população.
Ele pondera que o
Santos Dumont já está ligado à malha de transporte urbano, via VLT.
Procurada, a
Secretaria estadual de Transportes do Rio informa que a nova gestão está se
inteirando dos projetos que envolvem a pasta. E disse, em nota, que o metrô
leve de superfície “é um tema que envolve um estudo complexo e inclui diversos
fatores”.
Leilão em abril de
2022
A ideia é que o BNDES esteja à frente do projeto, considerado fundamental para
melhorar o acesso dos passageiros ao Galeão. O Estado tem um pré-projeto que
prevê a construção de um metrô de superfície, um investimento estimado em R$
5,5 bilhões.
Para uma fonte
próxima à concessionária que administra o aeroporto, o melhor para o Galeão deveria
ser combinar as duas propostas, tanto a limitação às operações no Santos Dumont
numa primeira etapa quanto a construção do metrô. É que o metrô até a Ilha do
Governador, vista como “ótima opção”, levaria ao menos oito anos para começar a
operar. “Há soluções viárias de custo menor e realização mais rápida que
poderiam ser implementadas”, conta essa fonte.
A restrição ao
aeroporto central, conta essa mesma fonte, seria uma forma de manter o Santos
Dumont focado em aviação executiva e ponte aérea, sem avançar em alterações em
regras ambientais ou do espaço aéreo para permitir o aumento da atividade no
terminal. E, ao mesmo tempo, dar fôlego ao Galeão para recompor o fluxo de
passageiros, incluindo a malha internacional.
Procurada, porém, a
RIOgaleão afirmou que vem “atuando há sete anos pelo desenvolvimento do setor
aéreo do Rio de Janeiro e como concessionária de serviço público prefere não se
manifestar a respeito do processo da sétima rodada de concessão de aeroportos”.
O aeroporto fechou
2019, portanto antes da pandemia, com movimento de 14 milhões de passageiros,
sendo 4,7 milhões no internacional. Este ano, a estimativa é alcançar quatro
milhões de viajantes, com apenas 10% deles em voos para o exterior.
A expectativa é que a
diretoria da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) aprove, na próxima
semana, o edital de licitação da 7ª e última rodada de concessão do setor
aeroportuário, que inclui Santos Dumont, Congonhas, Belém e pequenos terminais.
Os documentos serão
enviados ao Tribunal de Contas da União (TCU), que dará a palavra final.
O governo quer prazo
de 70 dias entre o aval da Corte e a realização do leilão – que deve ocorrer
entre abril e maio de 2022.
Até lá, o governo
pretende fechar com a equipe econômica um mecanismo que permita usar parte dos
recursos das outorgas na obra de mobilidade do Rio.
Demissão voluntária
O bloco liderado por Congonhas tem lance mínimo de R$ 487 milhões e
investimento total de R$ 5,3 bilhões. Do montante, R$ 3,5 bilhões serão
exigidos na obra de certificação do terminal paulista. Belém terá lance mínimo
de R$ 55 milhões e investimento total de R$ 870 milhões.
Além desses números,
o edital prevê que os concessionários pagarão à Infraero R$ 1,9 bilhão para
custear a demissão voluntária de servidores.
Segundo técnicos do
governo, dez grandes investidores, entre os que operam no Brasil e novos
demonstraram interesse em participar da disputa, inclusive o concessionário do
Galeão. A expectativa é de ágios elevados, disse uma fonte a par das
discussões.