BRASÍLIA - Mesmo depois de assumir todos os riscos do projeto do Trem de Alta Velocidade (TAV) entre Rio, São Paulo e Campinas, o governo foi forçado a adiar, pela terceira vez, o leilão do trem-bala, diante da falta de interessados na obra de R$ 38 bilhões. O ministro dos Transportes, César Borges, anunciou nesta segunda-feira que a licitação, marcada para o dia 19 de setembro, foi prorrogada por um ano, no mínimo. Segundo ele, o certame teria apenas um participante: o consórcio liderado pelo grupo francês Alstom. O ministro afirmou que o adiamento do leilão não tem relação com as denúncias de cartel em licitações dos metrôs de São Paulo e Distrito Federal, envolvendo empresas diretamente relacionadas com a disputa pelo trem-bala.
Com o adiamento, César Borges reconheceu que o projeto corre o risco de não ser executado no atual governo. Desde que foi lançado, em 2008, o trem-bala divide opiniões, dentro e fora do governo, pelo custo elevado da obra e a sua real necessidade.
— Depois de muitas conversas e entendimentos com os prováveis participantes, sentimos que o certame caminhava para apenas um participante — disse Borges.
Expectativa por novos interessados
Segundo o ministro, o grupo espanhol Renfe/Talgo — que ganhou espaço no noticiário com o descarrilamento que matou 79 pessoas em Santiago de Compostela no mês passado — tem interesse em continuar na disputa, mas pediu um prazo de 60 dias para organizar a sua participação. Já o grupo liderado pela empresa alemã Siemens demonstrou interesse no projeto recentemente e solicitou prazo de um ano para levantar o capital necessário, segundo informou César Borges. A data final para entrega das propostas seria na sexta-feira.
— Se vamos adiar não tem porquê adiar para um e não adiar para outro. Será dado novo prazo para apresentar as propostas — disse o ministro, que evitou marcar uma nova data para a realização do leilão.
Perguntado se o trem-bala vai ficar para depois das eleições, respondeu:
— Isso dependerá de uma avaliação e de uma análise circunstancial do momento (que será feita) daqui a um ano.
O ministro destacou que o governo mantém o interesse no trem-bala, mesmo com o adiamento do leilão, diante da necessidade de um meio de transporte de alta capacidade para ligar três grandes polos do país. Segundo Borges, a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), que seria sócia do trem-bala e responsável por construir a infraestrutura do empreendimento, vai continuar trabalhando no projeto executivo e na licença ambiental.
O leilão marcado para o próximo mês tinha como objetivo escolher o fornecedor da tecnologia e o operador do trem. Com o adiamento, houve inversão das fases. A intenção é fazer a licitação das obras no primeiro semestre de 2015, de forma que o trem possa começar a rodar em 2020.
— O adiamento da licitação não compromete o projeto — disse o presidente da EPL, Bernardo Figueiredo, acrescentando que a ideia do governo agora é construir uma linha que possa operar qualquer tecnologia.
Em junho, o governo retirou do edital um dos critérios para a escolha do vencedor do leilão, que era o menor custo de infraestrutura. Ficou valendo apenas o maior valor de outorga por quilômetro rodado. No dia 31 de julho, foram publicadas as cartas de intenção dos fundos de pensão, do BNDES e dos Correios, que pretendiam se associar ao consórcio vencedor, mas os investidores consideraram os termos pouco atrativos.
Figueiredo não concorda que a proposta do governo seja pouco atrativa, alegando que o adiamento ocorreu devido à existência de interessados que querem mais prazo. Ele disse acreditar que grupos da Coreia do Sul e do Japão, que estavam fora até agora da disputa, se sentirão encorajados a entrar.
Já o ministro dos Transportes não descartou novas alterações no edital.
— É claro que, com o prazo de adiamento de um ano, poderá haver aperfeiçoamento do edital. O que vier para aperfeiçoar e dar segurança ao processo, poderemos fazer — disse o ministro.
Divisão no governo
A decisão de adiamento do leilão do trem-bala foi tomada no fim de semana pela presidente Dilma Rousseff, que sempre defendeu o projeto. O governo estava dividido. Enquanto o Ministério da Fazenda jogava contra o leilão, a EPL queria manter a data. Bernardo Figueiredo disse que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que investiga as denúncias de cartel nas licitações dos metrôs de São Paulo e do Distrito Federal, não colocou nenhum impedimento para a realização da licitação. Contudo, o executivo admitiu que as denúncias pesaram no decisão.
— Isso reforça a importância de se ter um processo competitivo — disse Figueiredo.
O Ministério dos Transportes, por sua vez, fez ponderações sobre a existência de reais interessados no projeto, mas também posicionou-se, nos bastidores, pelo adiamento. Na semana passada, o ministro César Borges se reuniu com representantes das empresas com potencial para participar da disputa a fim de avaliar se havia garantias de maior concorrência, no caso do adiamento.
O projeto do trem-bala começou a ser discutido em 2008, no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2011, houve uma tentativa de licitar o empreendimento, mas, sem interessados, o leilão fracassou. O governo decidiu então mudar o modelo, separar a obra da operação e assumir o risco do projeto, elevando a participação da EPL no negócio de 30% para 45%, o que levou o Ministério Público Federal a tentar barrar o processo. Em cinco anos, a estimativa do custo subiu de R$ 14 bilhões para R$ 38 bilhões, pelo cálculos oficiais. No mercado, fala-se que o investimento pode superar R$ 50 bilhões.
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