ANTP 20/10/2014
Uma pesquisa realizada em Curitiba pela Brain Bureau de Inteligência Corporativa, a pedido do jornal Gazeta do Povo, traz um dado assustador: 24% dos curitibanos "em hipótese alguma" deixariam o carro em casa e optariam por outro modal para se deslocar pela cidade. Justamente Curitiba, cidade considerada modelo quando o assunto é transporte público e inovação.
Tudo bem, essa visão já está sendo questionada, como demonstra matéria do próprio Gazeta do Povo, publicada em abril deste ano com o sugestivo título "Será que Curitiba não é mais aquela?". A matéria discute artigo publicado no portal do jornal francês Le Monde, no fim de março de 2014, que é taxativo ao dizer que o que ora se vê em Curitiba "é o fim de um mito". Na mesma matéria o Gazeta do Povo também conta que, um mês antes do artigo do Le Monde, um grupo de estudantes de pós-graduação da Universidade Mines ParisTech esteve em Curitiba para realizar uma pesquisa. Resultado: "espantaram-se com a violência e com a incapacidade da prefeitura em inovar nas soluções para o transporte público, optando pelo metrô, uma invenção de 150 anos atrás".
A pesquisa contratada pelo jornal de Curitiba, divulgada neste domingo (19), traz números que podem reforçar a tese (e a percepção) de que a cidade teria perdido sua capacidade de inovar, particularmente quando o tema é transporte público. Mas será que tal problema é exclusividade da capital do Paraná? Se há especificidades, estas por si só não respondem à pergunta. O mais óbvio é buscar a resposta nas demais cidades de porte médio e grande do Brasil, que viram crescer de forma assustadora seus problemas de trânsito e, por conseguinte, de mobilidade urbana.
Não é à toa que outras alternativas de locomoção, assim como novas saídas que auxiliam na mobilidade das pessoas, têm sido a tônica em todas as discussões sobre o problema. Problema, é bom ressaltar, que atingiu de forma igual todas as cidades, causando efeitos diferentes, é claro, conforme a situação local. No caso de Curitiba a engenheira Rebeca Pinheiro-Croisel, pesquisadora francesa que esteve na cidade em fevereiro, contextualiza:
"Quando somos pioneiros e, em algum momento, atingimos patamares acima da média, sempre seremos avaliados com expectativas de excelência".
Afinal, quais os fatores que impedem as cidades brasileiras para inovar em busca de soluções para a mobilidade urbana? Uma pista para a resposta está no artigo do filósofo Renato Janine Ribeiro, publicado no caderno Aliás do Estadão. O artigo (Tachinhas e privilégios) usa como mote para uma profunda análise um recente fato ocorrido na capital paulistana: "as tachinhas que alguma alma má jogou nas ciclovias da Rua Artur de Azevedo, em Pinheiros".
Por trás de inocentes (ou maldosas) querelas entre motoristas raivosos pela perda de espaço (e privilégio) e ciclistas "adversários" (alegres pela conquista de um naco de asfalto para pedalar), Renato Janine situa o que de fato interessa discutir: "Está em jogo o que queremos da cidade. Nossas cidades foram sequestradas pelo automóvel. Todo ser racional sabe que esse é um caminho péssimo. Quase tudo que se faça para melhorar a cidade exige enfrentar o carro. (...) O verde tem que vencer o asfalto".
Curioso lembrar uma entrevista do então ministro dos transportes Cloraldino Severo à revista Veja em julho de 1983, portanto há 31 anos. O regime político do Brasil, ainda distante da democracia e às voltas com as sequelas deixadas pela grave crise do petróleo dos anos 70, buscava na diminuição do uso do automóvel e na ênfase ao transporte público uma saída para uma situação que se avizinhava perigosa para a economia brasileira. Nesta entrevista (com o título "O automóvel é predador"), Cloraldino Severo é taxativo ao afirmar que "pouco será possível fazer se o Brasil não entender que, em tempos de austeridade, a hora é do transporte coletivo". O ministro sabia do que falava. O Brasil não entendeu, e hoje pouco se pode fazer.
Hoje, mais que austeridade, o que se discute é sustentabilidade. Janine em seu artigo observa que "em São Paulo há uma resistência insensata, egoísta, dos que têm carro à limitação de seu uso. Um baile da Ilha Fiscal, uma dança sobre um vulcão". E relembra que mais do que planos para o futuro, precisamos aceitar soluções - como as faixas de ônibus e bicicletas -, "que na Europa é presente faz tempo".
Combinar um presente de atrasos com um futuro ainda distante é o grande desafio das cidades e seus gestores. Mais difícil será, sem dúvida, contar com a compreensão daqueles que vêem em seus carros a única opção aceitável de mobilidade.
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