Os
desafios do transporte público coletivo serão enormes no pós-pandemia do
coronavírus. Quando a crise sanitária diminuir e o isolamemnto social começar a
ser aliviado é que a conta chegará para o setor ainda maior do que a paga
atualmente, em plena crise sanitária. O resgate da demanda de passageiros – que
caiu em mais de 80% na maioria dos sistemas, seja sobre pneus ou trilhos – será
o objeto de desejo de todos. E, se essa busca já era árdua antes do novo vírus
aparecer, ficará ainda mais dura com uma sociedade temerosa de se contaminar
nos ônibus e metrôs. Nessa guerra que se projeta num futuro breve, a tecnologia
será uma arma imprescindível e que, com certeza, fará toda a diferença na
sobrevida de muitos sistemas.
É
preciso a busca contínua por tecnologia e redução da tarifa. Essa é a principal
lição para o setor de transporte para os dias seguintes à pandemia
Jean Carlos Pejo, secretário geral da Associação Latino-Americana de Estradas
de Ferro (ALAF) e ex-secretário Nacional de Mobilidade e Serviços Urbanos
(SEMOB)
Na
verdade, quem opera ou gerencia o transporte coletivo sabe essa lição há muito
tempo. Talvez, não a exercite por falta de visão e/ou de recursos, mas todos do
setor têm conhecimento da importância e do diferencial que a tecnologia
proporciona aos sistemas de transporte. O crescimento da mobilidade por
aplicativo, por exemplo, está aí para confirmar esse raciocínio. Como muito
gente já tem dito, partiremos para uma nova era pós-coronavírus. E quanto mais
inovação for oferecida, maiores as chances de o passageiro retornar aos modais
coletivo. Operadores de ônibus e metrôs terão que implementar novas tecnologias
que tornem os sistemas eficientes o suficiente para atrair os passageiros de
volta. Se essa necessidade já era gritante na pré-pandemia, agora ela terá que
estar associada à imagem de organização, higiene e respeito – dentro do
possível, é claro – às regras sanitárias estabelecidas pela crise do
coronavírus.
Em
Pernambuco, uso de máscaras no transporte público ainda não é obrigatório para
passageiros
A tecnologia a que nos referimos começa com novas técnicas de higienização de
metrôs e ônibus – como o robô que emite luz ultravioleta e pode eliminar 100%
dos vírus nos trens em uma só aplicação que vem sendo testado no Metrô de São
Paulo -, passa pela adoção e ampliação do pagamento eletrônico das passagens,
pelo ordenamento e disciplinamento do embarque dos usuários, até chegar nos
sistemas modernos que indiquem e controlem a lotação de metrôs e ônibus, por
exemplo. O tema, entretanto, pode assustar muitos operadores e gestores
públicos, completamente atordoados com o prejuízo que o transporte coletivo vem
amargando devido à crise do coronavírus – R$ 2,5 bilhões por mês nos sistemas
de ônibus e R$ 1 bilhão nos metroferroviários. Mas ele é urgente e se faz
necessário para ontem.
Entre
os operadores e estudiosos do setor, o transporte sobre trilhos deverá levar
vantagem nessa corrida porque já são tecnológicos por essência. Alguns sistemas
são mais do que outros, é claro, mas todos têm operações controladas pela
tecnologia. O desafio será maior para o transporte por ônibus. Esses mesmos
profissionais, entretanto, alertam que, mesmo com investimentos em tecnologia e
inovação, a natureza do transporte de média e alta capacidade – que é o caso
dos ônibus urbanos, metrôs e trens – é limitadora por si só. Ou seja, por mais
que os operadores e gestores inovem, os sistemas terão que transportar muitos
passageiros juntos. Caso contrário, não têm sentido de existir e não suportarão
o custo.
O
futuro incerto do transporte público no pós-pandemia
“Teremos
que ter a tecnologia, sem dúvida, para inovar e limitar. E sabemos que o dia
seguinte será muito, muito difícil. Mas tecnicamente será impossível impedir o
transporte das pessoas ou adequá-lo às rígidas exigências sanitárias. Se não
poderemos transportar 30/40 mil pessoas por hora, por corredor, não há
necessidade de ter um sistema desse porte. Se for para ele operar vazio, o
custo ficará inviável. Até porque o conceito dele é de média e alta
capacidade”, alerta o presidente da Associação Nacional dos Transportadores de
Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos), Joubert Flores.
A
digitalização é fundamental e necessária. Aumentar eficiências das linhas e
reduzir intervalos
Joubert Flores, ANPTrilhos
Joubert,
assim como Marcus Quintella, coordenador do Centro de Estudos em Transportes e
Logística da Fundação Getulio Vargas – FGV Transportes, alerta que o
pós-pandemia deve ser o momento ideal para mudar paradigmas no setor de
transporte coletivo, estimulando a integração de sistemas e, principalmente,
buscando fontes de financiamento para o transporte público – com destaque para
a taxação do transporte individual para custear o coletivo. “É inviável achar
que, no pós-pandemia, nós vamos conseguir andar em ônibus e metrôs vazios. Não
temos uma bala de prata para resolver esse problema. Por isso, acredito que a
volta da demanda será gradativa. Começará pequena, mas lentamente vai
retornando. Mas não teremos como evitar, por exemplo, aglomerações nas
plataformas de metrô. O que vai ser importante é manter a higienização dos
veículos e, principalmente, a educação da população para que use máscaras e
mantenha as
etiquetas de saúde”, analisa Marcus Quintella.
EXEMPLOS
DE TECNOLOGIA PARA O TRANSPORTE COLETIVO
SISTEMA
QUE INDICA LOTAÇÃO DOS TRENS
A Linha 4 – Amarela do Metrô de São Paulo, operada pela ViaQuatro, do Grupo
CCR, conta com monitores nas plataformas que informam o nível de lotação das
composições, especificamente de cada carro do próximo trem. A tecnologia, que a
CCR garante ser inédita em metrôs do mundo, é oferecida através de um software
que monitora o peso dos carros do trem, gera a informação em tempo real e
indica ao passageiro onde há mais espaço para embarcar. A ViaQuatro levou três
anos para desenvolver a ferramenta com o objetivo de tornar o embarque e o
desembarque ainda mais rápidos e seguros e a viagem mais confortável.
Como
funciona: O monitor exibe o desenho do trem que, no caso da Linha 4-Amarela,
tem seis carros. Por meio de um sistema de sinalização de cores – semelhante às
de um sinal de trânsito -, o passageiro identifica o nível de ocupação: verde
para baixo nível de lotação, amarela para médio e vermelho para alto nível de
ocupação. Para orientar o passageiro a localizar o carro mais vazio, as portas
das plataformas são identificadas por cores e números.
CRONÔMETROS
NAS PLATAFORMAS
Outra tecnologia que é fundamental para o transporte público e será ainda mais
no pós-pandemia, também utilizada na Linha 4-Amarela do Metrô de São Paulo, é o
cronômetro de embarque. Os passageiros conseguem saber exatamente quando irão
embarcar no próximo trem. Os monitores de vídeo indicam quantos segundos faltam
para o trem chegar às estações intermediárias (ao longo da linha) e o tempo
para a partida, no caso das estações terminais.
A
ferramenta inédita foi inteiramente desenvolvida pelos colaboradores da
ViaQuatro, que, até o momento, é a única operadora de transporte sobre trilhos
no Brasil a oferecer este serviço. A previsão do horário de chegada somente é
possível graças ao moderno sistema de sinalização automática CBTC, utilizado
pela ViaQuatro. Algumas linhas de metrô do mundo têm o mesmo serviço porque
também têm sistemas automáticos semelhantes.
PORTAS
DE PLATAFORMA
As portas de plataforma, equipamento utilizado pela Linha 4-Amarela do Metrô de
São Paulo, é mais uma tecnologia que pode colaborar bastante com a boa imagem e
a eficiência dos sistemas de transporte público – no caso os metroviários. As
divisórias de vidro separam a plataforma dos trilhos em todas as estações, oferecendo
segurança aos passageiros que aguardam o embarque e otimizando a operação. Na
América Latina, a Linha 4-Amarela foi pioneira na instalação desses
equipamentos, que também evitam a queda de objetos nos trilhos e,
consequentemente, as interrupções nas viagens.
A
abertura e o fechamento das portas são operados de forma automática pelo
sistema de sinalização CBTC. O sistema é tão preciso que as divisórias só são
abertas no momento em que as portas dos trens também se abrem, exatamente no
ponto de embarque e desembarque de passageiros. Enquanto o trem não chega à
plataforma, as portas ficam fechadas. Assim, a barreira criada pelo equipamento
também reduz o nível de ruído nas plataformas. Atualmente, o sistema de portas
de plataforma é utilizado nas linhas de metrô mais modernas do mundo, como as
de Tóquio (Japão), Barcelona (Espanha), Paris (França), Hong Kong (China),
Cingapura (República de Cingapura) e Seul (Coreia do Sul).
MEDIÇÃO
DE TEMPERATURA
A medição de temperatura por câmeras já está sendo adotada em alguns sistemas
de transporte coletivo do mundo e até do País. E podem ser uma ferramenta
extremamente necessária para resgatar a demanda de passageiros quando a crise
do coronavírus passar. Na Bahia, o governo do Estado anunciou que iria instalar
em breve equipamentos do tipo no metrô de Salvador. Os passageiros considerados
febris não poderão embarcar devido ao risco de contaminação. As câmeras
conseguem medir a temperatura de diversas pessoas ao mesmo tempo.
Para
garantir a eficiência do bloqueio na prática, a promessa do governo baiano é
que uma equipe de saúde ficará na retaguarda para orientar os passageiros do
Metrô Bahia a procurarem orientação médica, já que poderão estar com a covid-19
ou outra doença. Na China, por exemplo, as câmeras foram utilizadas em diversos
sistemas de transporte.
PAGAMENTO
ELETRÔNICO DA TARIFA
Uma das medidas mais populares de prevenção à propagação da covid-19 é a
proibição das vendas de passagem em dinheiro nos ônibus, como ainda é comum na
maioria dos sistemas brasileiros. A partir de agora e mais do que nunca, é
fundamental que haja um estímulo para que as passagens sejam compradas por
aplicativos, via QRCode, nas estações e paradas do transporte público. Medidas
do tipo foram ampliadas em cidades como Berlim (Alemanha), Barcelona (Espanha),
Auckland (Nova Zelândia) e Jakarta (Indonésia) para evitar a proximidade entre
passageiros e funcionários. Essas são algumas das iniciativas mostradas no
documento “Transporte público e COVID-19”, elaborado pela Faculdade Getúlio
Vargas (FGV) e que reúne ações realizadas para proteger o transporte público
durante a crise do coronavírus.
Segundo
a publicação, em Auckland, os passageiros que tentam pagar com dinheiro recebem
um Smartcard grátis para ser utilizado nas próximas viagens. Em Jakarta, o
sistema de pagamento sem dinheiro foi implementado em todas as paradas do
TransJakarta. Já no Estado de New South Wales, na Austrália, foram os
motoristas que pararam de aceitar o pagamento em dinheiro alegando o direito
legal de interromper práticas de trabalho inseguras.
Além
de os motoristas não aceitarem dinheiro, em Berlim e Barcelona o embarque de
passageiros passou a ser feito apenas pelas portas traseiras. Já na Suíça,
foram implementadas “barreiras” temporárias com fitas adesivas para evitar o
contato próximo entre passageiros e funcionários.
TÚNEIS
DE DESINFECÇÃO
Muitos sistemas do mundo já estão fazendo uso de inovações tecnológicas e
sanitárias para tentar miminizar as possibilidades de contágio. No Brasil,
apenas alguns. Depois de testar o uso de raios ultravioletas para higienizar os
vagões, o Metrô de São Paulo e a CPTM (trens metropolitanos) começaram a
oferecer cabines de descontaminação para os passageiros. O equipamento funciona
com sensores de movimento que borrifam uma solução antisséptica composta por
cloredixina nos passageiros que passam pelas tendas.
Por
enquanto, existem apenas duas cabines instaladas na Estação Tatuapé, mas a
Secretaria dos transportes Metropolitanos (STM) promete ampliar o número para
25 nos próximos dias. A ação é feita em parceria com a empresa Neobrax,
especializada na produção da cloredixina. Para fazer a higienização, é
necessário que o passageiro permaneça na cabine por apenas quatro segundos. O
efeito dura quatro horas e, de acordo com a Neobrax, a cloredixina não irrita a
pele e não precisa ser eliminada por enxágue.
No
Rio de Janeiro, a prefeitura iniciou em 20 de abril um processo de instalação
de cabines de desinfecção em pontos como a Central do Brasil, estações do
MetrôRio, barcas e do BRT, começando pelo hospital de campanha do Riocentro. Na
cabine são ativados dispositivos que pulverizam um produto chamado Atomic 70,
desenvolvido por laboratório de São Paulo e certificado pela Anvisa.
ORGANIZADOR
DE FILAS E CONTROLE DE DEMANDA NOS VEÍCULOS
Novas tecnologias que garantam a organização de filas para embarque nos
coletivos e que forçem os passageiros a respeitar uma distância razoável entre
si terão que ser pensadas pelo setor de transporte coletivo urgentemente. O
mesmo vale para o controle de embarque de pessoas num ônibus ou vagão de metrô,
por exemplo. Sejam guias indicativas para serem instaladas nos terminais de
ônibus e plataformas de metrô ou alarmes que soem quando a lotação
pré-determinada desses veículos for atingida, por exemplo. Serão formas de
garantir a ocupação razoável dos veículos, evitando a superlotação do
transporte e, assim, minimizando a resistência de parte da população em
retornar aos modais de mobilidade coletiva.
HIGIENIZAÇÃO
PERMANENTE E TECNOLÓGICA
A higienização dos veículos terá que virar um mantra na vida dos operadores.
Será fundamental para a imagem do setor. E nessa busca, vale da adoção de
medidas simples às tecnológicas. Entre elas, o uso obrigatório de máscaras por
todos, inclusive no pós-pandemia, e o uso de inovação no processo de limpeza.
Xangai e Hong Kong chamaram atenção e São Paulo está reproduzindo em teste a
higienização com luzes ultravioletas para desinfetar ônibus e metrôs, processo
que leva de 5 a 7 minutos e mata mais de 99,9% dos vírus. As soluções básicas,
entretanto, não podem ser esquecidas. Como a desinfecção diária dos filtros de
ar dos coletivos e metrôs, a sanitização dos escritórios, salas de reunião,
refeitórios, elevadores e escadas rolantes – estes dois últimos limpos, em
alguns lugares, de hora em hora.
06/05/2020 – Jornal do Commércio