Em janeiro de 2011, o executivo carioca Carlos José Cunha viveu a situação mais dramática de sua carreira. Em seu primeiro dia de trabalho na presidência da SuperVia, concessionária de trens metropolitanos do Rio de Janeiro, um menino de 10 anos foi atropelado por uma composição da empresa e morreu. O garoto soltava pipa nos trilhos, perto da favela do Jacaré, na zona norte da capital fluminense. Cunha logo perceberia que episódios estressantes — e até trágicos — não eram exatamente exceção no cotidiano da SuperVia. O braço de transportes do conglomerado Odebrecht comprou, em 2010, 60% da concessionária. No início, parecia simples melhorar o serviço dos trens suburbanos do Rio — pior do que estava, afinal, não ficaria. Melhorando o serviço, aumentaria o fluxo de passageiros, as receitas disparariam e por aí em diante. Mas, logo no primeiro dia à frente da concessionária, Cunha foi forçado a concluir: tinha à sua frente um desafio muito maior do que o esperado. "Cheguei achando que seria moleza transformar o serviço. Bastaria começar a investir", afirma Cunha. A história dos últimos dois anos, na verdade, não poderia ser mais complexa.
Problemas de solução difícil, e que não dependem somente da empresa, vêm atrapalhando os planos da concessionária. Alguns deles beiram o surreal, como a existência de um banheiro na Central do Brasil que também serve de ponto de encontros sexuais. Na gestão anterior, a SuperVia repassou a operação dos banheiros da estação a uma empresa que cobra uma tarifa pelo uso dos sanitários. Logo se descobriu que os banheiros estavam sendo usados de forma pouco ortodoxa. Há um ano e meio, a SuperVia tenta romper o contrato para dar acesso gratuito aos passageiros, mas a operadora resiste. O imbróglio foi parar na Justiça.
Absurdos à parte, o fato é que a Odebrecht menosprezou as dificuldades da operação de uma ferrovia que corta áreas pobres e violentas do estado e que foi sucateada por anos de baixo investimento. Uma das principais fontes de dor de cabeça é a falta de isolamento dos 270 quilômetros da via férrea que cortam a capital e outros 11 municípios. Os muros construídos para isolar trechos da ferrovia são repletos de buracos, abertos para a passagem de pedestres e veículos. Esses buracos também servem de refugio a usuários de drogas e vândalos. A invasão dos trilhos por pessoas, carros e animais provoca paralisações, atrasos e o mais grave: acidentes. A segurança de estações próximas a favelas é outro problema grave. Muitas delas eram usadas como ponto de venda para traficantes e cambistas. Ainda hoje, os vigilantes das estações têm de chamar a polícia, o que provoca retaliações. Técnicos da SuperVia já encontraram evidências de sabotagem em locomotivas, além de pedaços de lona em cabos elétricos, o que provoca a paralisação dos trens. Se a parada durar muitos minutos num dia de calor (atualmente, metade dos trens não tem refrigeração), os passageiros abandonam os vagões e, aí, o estrago está feito — quando há pessoas nos trilhos, a linha tem de ser paralisada por questões de segurança. Não é raro que atrasos generalizados se transformem em quebra-quebra.
Privatizada em 1998, a SuperVia foi arrematada por quatro fundos de investimento estrangeiros. Na época, o governo estadual ficou incumbido de comprar novos trens, mas não cumpriu sua parte. Em 2010, quando a Odebrecht Transport assumiu a operação (num contrato que vai até 2048), o governo se comprometeu a investir 1,2 bilhão de reais para renovar a frota.
Dessa vez, os investimentos começaram a se materializar. Dos 110 trens encomendados pelo governo, 30 chegaram no ano passado e os demais, já encomendados, entrarão em operação até 2014. A SuperVia, de seu lado, investirá outro 1,2 bilhão de reais — até agora, foram 400 milhões na reforma de 73 trens e de parte das estações. Também inaugurou um centro de operações e trocou 180 quilômetros de trilhos e dormentes, além de 200 quilômetros de cabos da rede elétrica.
Falta muito
Nada disso, no entanto, foi suficiente para mudar a imagem dos trens do Rio, que continua péssima. Hoje, a maior parte dos 190 trens ainda tem paredes encardidas e janelas estreitas. As mudanças feitas pela companhia até agora reduziram o número de falhas pela metade, mas a quantidade de incidentes ainda incomoda. "As pessoas têm vergonha de dizer que andam de trem no Rio, e mudar esse estigma leva tempo", diz Marcelo Boschi, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing. E isso que a Odebrecht precisa mudar. Caso contrário, não aumentará o número de passageiros e não chegará ao lucro. A meta inicial era superar 1 milhão de bilhetes vendidos por dia até 2016. Para cumprir o plano, deveria estar transportando atualmente 650 000 pessoas por dia, mas transporta apenas 540 000.
Executivos da companhia já admitem que a meta inicial pode ser alcançada apenas em 2020. A operação faturou 400 milhões de reais e lucrou 60 milhões de reais em 2012. Para a Odebrecht, ainda é pouco.
Na tentativa de acelerar o passo, a empresa antecipou a compra de 20 trens, que entrarão em funcionamento já em 2014, e não mais entre 2016 e 2020, como manda o contrato. Esses trens serão montados no Brasil. Enquanto eles não chegam, a SuperVia vai se virar com o que tem. Contratou mais 22 seguranças para as estações e vai ajudar o governo estadual a aplicar 220 milhões de reais no reforço de muros e grades para isolar de fato os trilhos e diminuir o risco de acidentes. É um começo.
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