ANTP Cliping 17/05/2014
Adamo Bazani
Pesquisa mostra que padronizar o atendimento espanta clientes.
Não basta mais a concessão pelo poder público, um contrato de licitação ou mesmo o contrato com uma empresa privada para fretamento.
Felizmente, já se foi o tempo que apenas a assinatura de um papel garantiria bons resultados financeiros para uma companhia de transporte de passageiros.
Hoje a concorrência é grande e, a qualquer descuido, uma empresa de ônibus pode perder demanda, mesmo sendo urbana com linha definida e operação exclusiva.
Se uma cidade, por exemplo, não permite monopólio, muitas vezes o passageiro prefere andar quarteirões a mais para optar pela empresa que presta melhores serviços.
Se o transporte público não agrada, hoje as facilidades para se adquirir um carro, novo ou usado, e principalmente uma moto, podem fazer com que os passageiros desistam dos meios coletivos de deslocamento.
É certo que o poder público não está ainda fazendo adequadamente sua parte ao não criar políticas de mobilidade urbana, que são muito além de obras, que deem preferência no espaço urbano ao transporte coletivo para que ele seja ágil, confortável, barato e, consequentemente, se torne atrativo em relação aos meios de deslocamento individuais.
No entanto, apesar de prestar um serviço público, uma empresa de ônibus é um negócio. Assim, as companhias de transporte coletivo também devem fazer sua parte para evitar a perda de passageiros.
Primeiro, o empresário de ônibus deve ter uma visão mercadológica de seu negócio.
Quebrar velhos conceitos para isso é fundamental. Um exercício interessante, que beneficia a população, o poder público e o próprio negócio, é enxergar o ônibus como uma loja que vende o mesmo produto que outra loja que fica em frente: o carro ou a moto.
Como atrair clientes para minha loja em vez de eles ficarem interessados pelo outro estabelecimento?
Pontualidade, frota que não quebra toda a hora, direção segura por parte do motorista é o mínimo que se espera de uma empresa de ônibus.
Mas atenção! O assunto é concorrência. Quem só oferece o mínimo, tende a não ficar bem no ramo.
E as empresas de ônibus, para o bem de todos, passageiros e delas mesmas, devem pensar nos detalhes, que parecem sutis e que não são percebidos pela população, mas que fazem sim a diferença.
Uma prova disso é uma pesquisa de 2012, cujos resultados são válidos até hoje do IBHE (Instituto Brasileiro de Hospitalidade Empresarial).
A pesquisa mostra que a padronização no atendimento não atrai clientes e que o consumidor brasileiro hoje busca algo a mais das empresas prestadoras de serviços.
Respeito e Confiança continuam como os itens mais escolhidos pelos clientes: 26%. Mas outro item chama a atenção: o Encantamento, segundo a pesquisa, responsável por 14% das pessoas que consideram este aspecto fundamental para a prestação de um serviço.
O Encantamento, segundo o instituto, significa a capacidade da empresa fazer com que ela seja escolhida pelo consumidor. E o encantamento vem através da oferta de diferenciais, mesmo que aparentemente pequenos.
Mas como falar em diferenciais e não padronização do atendimento numa atividade como de transportes que segue regras específicas de conduta e prestação de serviços, normas e, no caso de grande parte das cidades, até mesmo a pintura dos ônibus é padronizada?
Novamente, a resposta está nos detalhes.
Sabe aquele cantinho do degrau na região da porta que está sujo há dias e que ninguém da limpeza dá um trato lá? O passageiro está vendo. Ele pode não formalizar uma reclamação disso, mas a imagem é ruim, de desleixo.
E a luminária ou mesmo a porta que não estão bem ajustadas e ficam fazendo aquele barulhinho chato a viagem toda? Isso irrita o passageiro.
E quando a catraca fica "dançando" e fazendo aquele barulho metálico horrível então?
O banco com o braço solto ou encosto que não está firme? Dá uma sensação ruim, até de insegurança, parece que o passageiro vai cair numa curva mais fechada.
Agora, se falamos em concorrência e estes "probleminhas" já desagradam quem usa todo o dia o ônibus, imagine uma pessoa que decide um dia deixar seu carro em casa.
A "sujeirinha no cantinho do degrau", o "nheque-nheque" da luminária e da porta, o show metálico da catraca, o banco todo mole se tornam um choque para quem vem de um veículo silencioso, individual e confortável.
Um dia, este repórter, depois de insistir tanto para uma amiga que só andava de carro, passear com ele de ônibus, conseguiu convencê-la.
Depois de alguns minutos no ponto, chega o ônibus. Novinho, último modelo. Quando entramos, o que senti? Vergonha alheia!
Havia sujeira nos cantos. Não a do dia a dia que pode ocorrer, sujeira velha mesmo. Um "ononi" – objeto no ônibus não identificado – batia tanto, fazendo um barulho estressante.
A bela moça não é profissional de transporte. Nem tão pouco busóloga (pessoas que admiram e estudam ônibus). Então ela me perguntou. Esse ônibus é velho?
Poxa, o ônibus era desse ano - 2014! E eu sem jeito respondi: "Não é novo, deve ter acontecido alguma coisa." Detalhe – até hoje não sei qual era o "ononi" que fazia tanto barulho dentro daquele ônibus.
É claro que as condições da via influenciam muito na trepidação e nos ruídos do ônibus. Mas as empresas devem tentar minimizar o desconforto. Caso contrário, as pessoas vão buscar por um serviço mais confortável.
Lembra que falamos que o ônibus deve ser encarado como uma loja e o carro e a moto como a loja do outro lado da rua que vende o mesmo produto?
Pois bem, e como está a apresentação e o atendimento do balconista desta loja?
Assim, sem discriminações quanto ao gosto do profissional, mas um uniforme bem alinhado, uma barba bem feita, um bigode bem aparado, e uma conduta educada do motorista e do cobrador são diferenciais que podem conquistar clientes.
Se o sistema da cidade não exige uniforme para os motoristas, por que não adotar um uniforme próprio?
A imagem do motorista com barba mal feita, camisa aberta até metade do peito e corrente de vendedor de jogo de bicho, pode ter certeza, não é legal.
Há uma linha de ônibus municipal em Santo André, a qual pego todos os dias, que o motorista saiu de férias.
O outro que entrou fazia bem o trabalho. Mas não tinha diferenciais.
Não dava um bom dia com simpatia aos passageiros e vira e mexe atrasava uns três minutos.
Só três minutos? Era tempo suficiente para quem ia seguir viagem para São Paulo perder o trem e ter de ir no outro trem que já vinha mais lotado.
Resultado. Muita gente, inclusive este repórter, começou a procurar outras linhas de ônibus.
Quando o motorista habitual voltou das férias, o ônibus voltou a andar mais cheio.
Assim, a empresa deve passar o conceito de diferenciais aos motoristas.
Estes exemplos no dia a dia se repetem milhões de vezes e nem sempre o operador de transporte está atento a eles. Mas a pesquisa IBHE (Instituto Brasileiro de Hospitalidade Empresarial) mostra em números o quanto é importante que um prestador de serviço, inclusive de transportes, evolua e não ofereça apenas o "mais do mesmo"
A tempo! Sabe aquele pretinho no pneu? Pode passar porque o povo acha mais bonito o ônibus com ele.
Adamo Bazani, jornalista da Rádio CBN, especializado em transportes (busólogo e passageiro diário de ônibus, trem e metrô entre o ABC e a cidade de São Paulo)
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