24/07/2018 - Zero Hora
A Trensurb pagou R$ 244 milhões por trens que foram
entregues sem quase a metade das especificações técnicas que dizem respeito ao
desempenho dos veículos exigidas pela empresa. Um grupo de trabalho formado por
12 técnicos da Trensurb analisou 82 itens – selecionados com base em um
critério de gravidade – previstos no edital da licitação e constatou que 44%
deles não foram atendidos pelo Consórcio FrotaPoa, que reúne as empresas Alstom
(francesa) e CAF (espanhola).
No relatório, os técnicos também apontam que a Trensurb
abriu mão, a pedido do consórcio, de realizar ensaios dinâmicos que poderiam
antecipar as falhas em série que, hoje, deixam fora de operação nove dos 15
trens da série 200, adquiridos em 2012 — a informação foi publicada ontem pelo
Grupo de Investigações da RBS (GDI).
Técnicos da Trensurb compararam as especificações do edital
de licitação com o produto efetivamente entregue. A vistoria foi concluída em
10 de abril passado e apresentada ao Conselho de Administração da Trensurb. O
GDI teve acesso ao resultado da análise que escancara o prejuízo de uma compra
milionária que não se reverteu em melhorias de serviço e mais conforto aos 180
mil usuários diários da linha de trem.
Os itens não atendidos vão desde certificados que atestem a
qualidade das rodas e eixos de trem até peças de reposição a menos — sem que a
Trensurb tivesse desconto no valor pago. Em cada um dos tópicos analisados, foi
avaliado se houve vantagem financeira do consórcio, prejuízo técnico ou
financeiro para Trensurb e se o item tinha ligação com problemas já
constatados. Além de 44% dos itens examinados não terem sido atendidos, em 48%
dos casos analisados houve prejuízo técnico ou financeiro para a Trensurb.
Segundo o grupo de trabalho, só é possível garantir que 10% dos itens foram
rigorosamente atendidos pelo consórcio.
Além da redução da qualidade e conforto dos serviços, os
problemas dificultam a manutenção. Nem os manuais dos trens foram entregues
conforme o especificado: têm desenhos e traduções erradas, além de recomendações
de procedimentos de manutenção falhos, genéricos e sem aprofundamento técnico
adequado.
Vaivém de queixas entre Trensurb e consórcio
Todos os itens não atendidos são objeto de demoradas
negociações entre a estatal e as indústrias fornecedoras dos trens. Um vaivém
de queixas que já resultou num inquérito civil público aberto pelo Ministério
Público Federal (MPF) para tentar impulsionar o funcionamento dos 15 trens que
nunca operaram como deveriam. No relatório, os técnicos da Trensurb sugerem a
contratação de um serviço para avaliar o impacto financeiro dos problemas e a
devolução dos trens para resolvê-los.
No estudo, é apontada uma série de prejuízos na operação dos
trens. Houve aumento de 30% no consumo energético em relação à previsão orçamentária
da Trensurb – estimado em
R$ 10 milhões ao ano. Também há custos extras com manutenção
dos trens antigos, da série 100, sobrecarregados porque só seis dos novos
funcionam. Além disso, aumentou o gasto com horas extras dos empregados e a
realocação de pessoas para acompanhamento e fiscalização dos retrabalhos.
Segundo a Trensurb, o relatório foi entregue ao Ministério
Público Federal, que acompanha todo o processo que envolve o recall dos trens
série 200.
Itens não atendidos segundo relatório x consequências
Não foram fornecidos os certificados de comprovação do
atendimento às normas de fornecimento das rodas e eixos de trem Consequência:
há dúvida sobre o desempenho das rodas. Certificados são necessários para um
diagnóstico mais preciso
Não há filtro de ar nos motores de tração Consequência: o
interior dos motores está contaminado com água e sujeira
Manuais incompletos, documentação técnica desatualizada, não
fornecimento de softwares e códigos-fonte Consequência: a falta de manuais adequados
prejudica a manutenção dos trens
Menos peças de reposição entregues Consequência: prejudica a
manutenção dos trens e prejuízo financeiro à Trensurb — o consórcio reduziu a
entrega, mas não o valor cobrado
Projeto de construção do motor de tração de difícil montagem
e desmontagem Consequência: troca dos rolamentos, na manutenção, fica mais cara
e complexa
Durante a instalação de peças na fábrica ocorreram falhas no
processo de montagem que danificaram o isolamento de cabos Consequência:
ocorrência de curto circuito entre os cabos.
Contraponto
O Consórcio FrotaPoa esclarece que a fabricação e entrega
dos trens seguiram rigorosamente todas as normas vigentes e especificações
técnicas solicitadas pela Trensurb. O Consórcio reafirma que está engajado em
realizar todas as ações necessárias para recolocar os trens em operação no
menor prazo possível.
Leia mais: Metrô realoca frota G para a Linha 1-Azul
- Fonte:
https://gauchazh.clicrbs.com.br/grupo-de-investigacao/noticia/2018/07/fabricante-de-trens-novos-nao-entregou-44-dos-itens-ligados-ao-desempenho-dos-veiculos-diz-relatorio-da-trensurb-cjjyxe3rn00sb01qch3y4eixa.html