17/01/2018 - O Globo
Há forte apoio popular para melhorar as condições de
mobilidade urbana por meio do transporte público, mas a péssima visão que as
pessoas têm das concessionárias de ônibus, trens e metrô, a insegurança e a
falta de conforto ainda fazem as pessoas apontarem o carro como meio de
locomoção ideal no Brasil. É o que mostram os dados de uma pesquisa inédita
encomendada pelo Instituto Clima e Sociedade (ICS) em parceria com o Instituto
Escolhas.
Na avaliação do coordenador de transportes do ICS, Walter
Figueiredo Di Simoni, o usuário do transporte público hoje tem um cotidiano de
péssimos exemplos, e isso pode colaborar para a preferência pelo automóvel ou
motocicletas, apesar desses meios de transportes contribuírem mais para o
aumento da poluição e para os engarrafamentos.
— A pesquisa mostra uma leitura realista do transporte
público no Brasil. Quando olhamos a avaliação negativa das operadoras de ônibus,
isso mostra a realidade. A pesquisa mostra a necessidade de melhorar a
qualidade do transporte público, mas mostra também que há o desejo de que o
transporte público seja o principal meio de locomoção das pessoas — disse
Figueiredo ao GLOBO, que teve acesso aos dados com exclusividade.
Segundo a pesquisa, realizada pela Ideia Big Data em outubro
do ano passado, 57% dos entrevistados consideram a atuação das empresas
permissionárias de ônibus negativa ou muito negativa. Outros 39% têm uma visão
positiva ou muito positiva das concessionárias de transporte público. No
Centro-Oeste, a péssima avaliação das empresas de ônibus chega a 67%.
Para o coordenador do Centro Interdisciplinar de Estudos em
Transportes (Ceftru) da Universidade de Brasília, professor Pastor Willy
Gonzales Taco, a avaliação negativa tem a ver com a má qualidade dos serviços
oferecidos pelas empresas, mas também com o esforço de marketing das montadoras
de veículos que usam a mídia permanentemente para mostrar as vantagens dos seus
carros.
— Você não vê propaganda da empresa de ônibus, mas de carro
há muita publicidade sempre exaltando a beleza, o luxo e as vantagens —
argumentou.
Também por isso, a pesquisa mostra que a avaliação positiva
das montadoras chega a 72%. Só 20% das pessoas têm uma visão negativa da
indústria de veículos.
Dos 3 mil entrevistados, 51% disseram que pretendem comprar
um carro nos próximos três anos. Nesse grupo, a maior parte tem entre 16 e 34
anos (51%), têm curso superior completo ou incompleto (71%) e pertencem às
classes B e C.
Entre os 49% que não pretendem comprar um carro nos próximos
três anos, o principal motivo é a falta de dinheiro (49%). Outros 25% alegam
convicções pessoais para rejeitar a compra de um veículo próprio.
— Existe uma visão do carro como objeto de desejo. O carro
ainda simboliza muita coisa, ele é símbolo de sucesso e de que a pessoa cresceu
na vida. Mas a percepção do carro como meio de transporte ideal cai quando a
renda aumenta — aponta Di Simoni.
Segundo ele, uma hipótese para esse resultado é de que,
depois de se tornar motorista, a pessoa se decepciona por já não ver tantas
vantagens.
Enquanto o carro é apontando como meio de transporte ideal
por 32% para quem tem renda familiar de até dois salários mínimos, esse
percentual cai para 25% entre aqueles têm renda familiar de sete salários
mínimos ou mais.
A pesquisa mostra ainda o Uber ganhando espaço entre os
usuários do transporte público. 49% das pessoas que passaram a usar o
aplicativo para se locomover disseram que antes usavam ônibus, metrô ou trem
para ir ao trabalho ou estudar. Deixaram o táxi para usar Uber 37%.
Para o professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(Uerj) e especialista em transportes, Alexandre Rojas, esses aplicativos têm
atrativos que o ônibus, o metrô e o trem não podem oferecer.
— Aqui no Rio, a questão da segurança no transporte é um
ponto negativo adicional. Então, as pessoas preferem pegar uma carona
compartilhada pelo Uber do que andar de ônibus. Elas chegam mais rápido às
vezes, com maior conforto e pode custar um pouco mais caro apenas — explica
Rojas.
Ele e Taco dizem que as empresas de transporte público
precisam melhorar a qualidade e se adaptar às novas necessidades dos usuários
para não perderem clientes.
O professor da UnB conta que em Brasília já está em uso um
aplicativo que conecta o usuário a um ônibus que faz trajetos que não são
atendidos pelas empresas concessionárias das linhas tradicionais. Na avaliação
dele, essas permissionárias precisam atender esse público para não ficar para
trás, nem que cobrem uma tarifa um pouco maior nesses casos.
Rojas e Di Simoni também cobram mais fiscalização sobre os
contratos das concessionárias para que haja mais transparência no cálculo das
tarifas e todas as exigências do poder público sejam atendidas. Eles reconhecem
que se o atual cenário for mantido as pessoas continuarão apontando o carro
como melhor meio de transporte.
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