Linha férrea que interligava oito capitais do Nordeste foi
encolhendo aos poucos e quase desapareceu
Publicado em 05/07/2016, às 08h01 UOL
Ana Linardo Freire lembra do tempo em que ia de Missão Velha
a Fortaleza usando o trem / Diego Nigro/JC Imagem
Angela Fernanda Belfort
A privatização da antiga Malha Ferroviária do Nordeste
significou o fim do serviço ferroviário nos Estados de Pernambuco, Paraíba e
Rio Grande do Norte. A malha existente foi reduzida a 26% do que era em 1997,
quando passou para a iniciativa privada. Na época, eram 4.679 quilômetros de
ferrovias, que iam de Propriá, em Sergipe, até a cidade de São Luís, capital do
Maranhão. Interligava as capitais de oito Estados, com ramais que passavam por
uma parte significativa do interior, incluindo as cidades de Missão Velha (CE),
na região do Cariri, e Salgueiro (PE), a 514 km do Recife. Hoje, só funcionam,
regularmente, 1,2 mil quilômetros, no Ceará, Piauí e Maranhão, que levam cargas
aos portos de Itaqui (MA) e de Mucuripe (CE).
Na privatização, foram estabelecidas metas de aumento do
transporte de carga e de redução de acidentes para a exploração do serviço
ferroviário. Mas por que os trens foram desaparecendo? Dona da concessão da
antiga Malha Nordeste, a Ferrovia Transnordestina Logística (FTL) não respondeu
aos questionamentos da reportagem do JC. A Agência Nacional de Transportes
Terrestres (ANTT), que fiscaliza a concessão, se limitou a dizer, por e-mail,
que a concessionária não cumpriu as metas de transporte de carga acordadas no
período de 2009 a 2013 acrescentando que a empresa foi “penalizada” pelo
descumprimento dessas obrigações.
Para os anos de 2014 e 2015, a ANTT fixou metas somente nos
1,2 mil km em operação. No ano passado, a empresa movimentou, nesses trechos,
564,3 milhões de Toneladas por Quilômetro Útil (TKU, unidade internacional que
retira o peso do vagão da quantidade transportada). “É pouco. Antes da
privatização, a Malha Nordeste chegou a movimentar 1,2 bilhão de TKU”, afirma o
professor de logística do Departamento de Engenharia da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), Fernando Jordão, ex-superintendente da Rede Ferroviária
Federal (Rffsa), então uma estatal.
“Uma concessão
privada de ferrovia precisa ter a conotação de resultado, lucro. Esse serviço
necessita de muita infraestrutura, manutenção e só se viabiliza com grandes
volumes de cargas. No entanto, é preciso oferecer o transporte ferroviário,
porque é essencial para a economia e as pessoas”, diz a sócia-executiva do
Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos), Maria Fernanda Hijjar. Faltou
justamente a atuação de órgãos governamentais que cobrassem a movimentação da
carga com a estrutura que existia. “Foram deixando a ferrovia morrer de
inanição. O serviço correspondia basicamente a 30% do custo do frete
rodoviário, mas não se fazia propaganda disso e não havia uma agressividade na
busca de clientes”, lembra o hoje engenheiro do Metrô do Recife (Metrorec) que
também trabalhou na extinta Rffsa Sérgio Sobrinho.
O serviço ferroviário também não tirou proveito do
crescimento da economia do Nordeste na última década para agregar novas cargas.
O Porto de Suape, por exemplo, saiu de uma movimentação de 4,3 milhões de
toneladas de carga em 2005 para 19,7 milhões de toneladas no ano passado.
“Em lugar nenhum do mundo se privilegia o transporte
rodoviário, como ocorreu no Nordeste, principalmente quando se tinha uma
ferrovia centenária. A solução messiânica foi a Transnordestina (a ferrovia de
1.752 km que deveria ligar a cidade de Eliseu Martins, no Piauí, aos portos de
Pecém, no Ceará, e Suape, em Pernambuco). Agora, não tem mais a antiga e nem a
nova saiu do papel”, acrescenta Fernando Jordão.
E, por último, as administrações públicas (federal e
estadual) deram prioridade às rodovias por uma questão simples: as construtoras
se tornaram grandes doadoras nas campanhas eleitorais. Até os anos 90, a
Transnordestina era uma nova ligação ferroviária de 240 km que ligava Salgueiro
a Petrolina, fazendo conexão com a malha existente. Depois, acharam melhor
construir uma ferrovia nova passando por muitas cidades nas quais a antiga
malha já estava presente, como ocorreu com grande parte do trecho Missão
Velha-Pecém e Salgueiro-Suape.
FIM DA CONCESSÃO
O presidente da Federação das Indústrias do Estado de
Pernambuco (Fiepe), Ricardo Essinger, defende que a União deveria tomar a
concessão da empresa Ferrovia Transnordestina Logística (FTL) por dois motivos:
a falta de compromisso na implantação da Ferrovia Transnordestina e o
retrocesso que ocorreu na prestação do serviço ferroviário, que praticamente
desapareceu em quatro Estados do Nordeste, incluindo Pernambuco. “As concessões
deveriam melhorar. No entanto, piorou muito. A malha ferroviária era velha, mas
funcionava”, diz. Ele argumenta que a falta de trens traz “um prejuízo
incalculável” à economia da região.
Em Pernambuco, além do trecho Recife-Salgueiro, a ferrovia
da antiga Malha Nordeste ligava o Estado com Alagoas (pela Mata Sul) e passava
também pela Mata Norte, em cidades como Aliança e Lagoa de Itaenga. “Usamos os
trens até a década de 90. Cerca de 30% da nossa produção de álcool ia de trem
para o Ceará e Maranhão. Cerca de 60% do açúcar a granel ia no vagão para o
Porto do Recife e 10% do açúcar ensacado também”, conta o presidente do
conselho de administração da Usina Petribú, Jorge Petribú. “Na época, o preço
era 20% mais barato do que o frete rodoviário, mas também era ambientalmente
melhor”, comenta. O produto embarcava num ramal ferroviário que chegava até a
sede da usina em Lagoa de Itaenga. Atualmente, para escoar toda a produção da
companhia são necessárias cerca de seis mil viagens de caminhão por ano.
Mas não eram só as cargas que usavam o trem. Nos anos 70,
era possível sair de Fortaleza de trem passar por Salgueiro e chegar ao Recife.
Era o expresso Sonho Azul. Toda essa linha foi desativada. Veja os depoimentos de Francisco Pereira, que
foi conferente da antiga Rffsa em Missão Velha e de Ana Linardo Freire, que
usou o Sonho Azul:
Em Pernambuco, da antiga Malha Nordeste restaram 18 km em
operação que vão de Cajueiro Seco a Prazeres, sendo utilizado para o transporte
de passageiros antes da privatização da Malha.
Com uma extensão de 608 km, a linha tronco Recife-Salgueiro
foi totalmente desativada porque será substituída, um dia, pela Ferrovia
Transnordestina. E a FTL já formalizou um pedido de devolução desse trecho ao
Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit) que está
concluindo o quanto vale esse trecho da ferrovia para definir a indenização a
ser paga pela FTL. Uma parte dos trilhos desse trecho foi arrancado por
vândalos.
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