25/04/2017Notícias do Setor ANPTrilhos
Referência no mapa ferroviário brasileiro há quase 142 anos
— quando foi inaugurada a Estrada de Ferro Sorocabana (EFS) –, a cidade de
Sorocaba quer entrar no grupo das 400 cidades do mundo servidas por um Veículo
Leve Sobre Trilhos (VLT) e, com ele, redesenhar sua malha de transporte
coletivo. Aproveitando os trilhos da antiga Fepasa entre os bairros de George
Oetterer e Brigadeiro Tobias, hoje exclusivos dos trens de carga, o VLT de
Sorocaba seria capaz de transportar, inicialmente, entre dez estações, quase
105 mil passageiros por dia, conforme um estudo preliminar desenvolvido pela
Secretaria de Planejamento e Projetos (Seplan) da Prefeitura de Sorocaba. O
índice é superior aos 70 mil usuários estimados pela EMTU para cada um dos
trechos do VLT da Baixada Santista, entre Santos e São Vicente.
O VLT é um trem urbano menor e mais leve que o metrô, que
trafega normalmente em composições de até sete carros e, de acordo com o
levantamento mais recente da Associação Internacional de Transporte Público
(UITP, na sigla em inglês) sobre o assunto, divulgado no ano passado, 45
milhões de pessoas por dia eram transportadas por esse modal em 53 países
diferentes — como China, Emirados Árabes, Estados Unidos, Holanda e Inglaterra
–, utilizando sistemas elétricos e movidos a diesel. O trabalho realizado pela
Prefeitura transpôs esse cenário para a realidade local e, segundo o secretário
de Planejamento e Projetos, Luiz Alberto Fioravante, as próximas fases devem
abordar os estudos de viabilidade técnica e econômica.
“Neste momento, já temos como conclusão a existência de
demanda de passageiros para o equilíbrio do sistema e uma projeção de 104.838
usuários por dia, sem a indução de usuários do sistema de ônibus urbanos. Com a
adoção de linhas alimentadoras que entregarão o passageiro para o VLT ao invés
de levá-lo aos terminais, esse índice certamente aumentará. Mas, com 60 mil
usuários, o VLT já estaria viabilizado”, afirma. Para chegar à premissa mensal
de usuários, a Seplan utilizou sistemas de georreferenciamento via satélite que
determinaram as atuais rotas de deslocamento dos moradores da cidade.
A experiência em gestão de projetos de sistemas
ferroviários, tanto no Metrô de São Paulo quanto em consultorias, encarregou
Fioravante de coordenar esta primeira fase do projeto — com a colaboração de
arquitetos e engenheiros da Prefeitura. O secretário lembra, contudo, que as
decisões acerca dos próximos passos competem ao prefeito José Crespo (DEM).
“Esse estudo é encaminhado ao Executivo, com o intuito de nortear o prefeito
sobre como ele quer fazer”, observa.
Trem x ônibus
Com a adoção do VLT como principal projeto de mobilidade
urbana para Sorocaba nos próximos anos, o ônibus rápido (Bus Rapid Transit, o
BRT) ficará restrito ao eixo norte-centro, trafegando pela avenida Itavuvu. O
projeto original previa subsídio municipal de R$ 187 milhões para a implantação
de quatro linhas, em um contrato total de R$ 2,7 bilhões e tarifa técnica de R$
4,43 por passageiro — índices considerados altos pela atual gestão. “Ano após
ano, o ônibus perde passageiros para outras alternativas de transporte”,
observa Fioravante — que, no passado, dirigiu uma das empresas permissionárias do
transporte coletivo da cidade.
Sistema será elétrico e com 10 estações
O secretário Luiz Alberto Fioravante e os técnicos da
Prefeitura chegaram ao VLT elétrico, com alimentação por rede aérea em 750
volts, como a opção a ser adotada em Sorocaba. O estudo preliminar considera o
uso de composições de cinco ou sete carros, para 250 ou 350 passageiros, com
velocidade máxima de 70 km/h. Das dez estações, uma está projetada para ser
próxima da Fatec, para atender ao Alto da Boa Vista, e outra junto à antiga
siderúrgica Villares. A circulação será supervisionada por um controle
centralizado em Brigadeiro Tobias.
Atualmente, conforme o presidente da Associação Brasileira
da Indústria Ferroviária (Abifer), Vicente Abate, são três as empresas que
constroem trens elétricos para projetos desse tipo: Alstom (França),
Vossloh/Stadler (Alemanha/Espanha) e CAF (Espanha). Ao lado da brasileira Bom
Sinal, que fabrica composições a diesel, elas já trabalham nos projetos de VLT
em andamento no País — além de Rio e Santos, há estudos para implantá-los em
Goiânia, Salvador, Cuiabá e Petrolina.
Para o Rio de Janeiro, a Alstom forneceu 27 trens fabricados
em Taubaté, além de outros cinco importados da França, enquanto o sistema de
Santos usa três composições alemãs e outras 19 produzidas em Três Rios pela
TTrans, associada da Vossloh.
De acordo com Abate, o cenário estudado para Sorocaba, que
prevê o aproveitamento da via atual de bitola métrica, vai requerer a compra de
VLTs elétricos diferenciados, pois os projetos normalmente utilizam a bitola
standard (1,435m) como referência. O diretor da Abifer afirma ser possível que
as fabricantes de trens elétricos personalizem seus projetos, mesmo que o único
produto de catálogo em bitola métrica seja o VLT diesel — usado em João Pessoa,
Juazeiro do Norte, Maceió e Sobral.
Compartilhamento entre VLTs e ferrovias de carga
Os 24,1 quilômetros de trilhos que cortam a cidade entre
George Oetterer e Brigadeiro Tobias são de propriedade federal, do Departamento
Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) — órgão vinculado ao
Ministério dos Transportes e responsável pelo patrimônio da antiga Fepasa. Como
há um contrato de concessão firmado entre o DNIT e a empresa Rumo Logística
para o transporte de cargas na Malha Oeste (entre Corumbá, no Mato Grosso do
Sul, e Santos, com extensão de 1.953 quilômetros), a operação do VLT nesse
trecho precisará ser regulamentada por um Contrato Operacional Específico (COE)
entre a Prefeitura de Sorocaba, o DNIT, a Rumo e a Agência Nacional de Transportes
Terrestres (ANTT).
Havendo esse entendimento, Sorocaba será a pioneira no
compartilhamento entre VLTs e ferrovias de carga no País. Para iniciar a
negociação, as partes interessadas reuniram-se há 20 dias, no Paço, devendo
agendar um novo encontro, possivelmente em Brasília, nos próximos meses. Na
discussão acerca das questões operacionais devem ser previstas, por exemplo, as
“janelas” de horário para a circulação do trem de carga dentro do sistema VLT,
além do cálculo da remuneração financeira que a concessionária de carga deverá
receber em contrapartida à circulação das composições de passageiros.
O levantamento preliminar da Seplan concluiu que a ferrovia
tem rampas e curvaturas adequadas para receber o VLT e, além da superestrutura
(trilhos, dormentes, pontes, etc.), também deverá ser solicitada a
disponibilização do imóvel da estação de Brigadeiro Tobias, de propriedade do
DNIT, construído em 1924 e que está abandonado. A estação de Sorocaba já está
sob responsabilidade da Prefeitura de Sorocaba, no aguardo de projeto de
restauro.
Carga minguando
Atualmente, passam por Sorocaba somente as composições que
transportam celulose de Três Lagoas para o porto de Santos. Sem receber
investimentos em infraestrutura, a Malha Oeste vem minguando e sua desativação
parece iminente — o que pode facilitar a implantação do VLT.
Custos do projeto ainda são preliminares
Por ser este o primeiro de uma série de estudos acerca do
VLT, as informações sobre custos e prazo de implantação ainda são preliminares
e podem mudar no decorrer dos próximos levantamentos da Prefeitura: por ora,
estão estimados R$ 600 milhões em investimentos, cujas origens devem ser
deliberadas no estudo de viabilidade econômica, com possibilidade de finalizar
o pré-projeto em um ano e iniciar a operação do primeiro trecho (entre o bairro
George Oeterer, em Iperó, e o centro de Sorocaba) após 30 meses.
Segundo o especialista em projetos ferroviários Jean Pejo,
atual diretor de sistemas de transportes do instituto Idestra e membro da
Associação Latinoamericana de Ferrovias (Alaf), ao contrário do que normalmente
se imagina, há recursos disponíveis para iniciativas do gênero em diversas
esferas governamentais. “O aporte financeiro é a questão menos crítica, pois
bons projetos têm financiamento. O grande mal é a falta de estudos: para
aproveitamento de linha, o conceitual, o de rentabilidade etc. Tudo começa no
exame da demanda e, como vemos que Sorocaba fez isso, já deu um grande passo”,
afirma.
Nos principais VLTs implantados no Brasil, os financiamentos
têm caminhado pelas parcerias público-privadas (PPPs). Em Santos, os governos
federal e estadual aportaram R$ 1 bilhão nos bens de capital do sistema e a
operação ficou a cargo de uma empresa de transportes, que investirá, como
contrapartida, R$ 600 milhões de um contrato de R$ 5,6 bilhões, válido por 20
anos. No VLT carioca, que custou R$ 1,157 bilhão, foram R$ 532 milhões em
recursos federais, do PAC da Mobilidade, e outros R$ 625 milhões advindos de
parceria público-privada.
“A parceria com a iniciativa privada será sempre bem-vinda
para as cidades, lembrando que esses dois parceiros têm objetivos diferentes.
Aplicação do capital, pelo empresário, exige lucratividade, e a Prefeitura deve
exigir os lucros sociais”, observa o engenheiro civil e mestre em urbanismo
Cyro Laurenza — que foi presidente da Fepasa e atualmente comanda o conselho do
instituto Idestra.
Pejo relembra que a figura do VLT no Brasil acabou manchada
por uma experiência infeliz em Campinas, em 1992, logo desativada. Para Laurenza,
o modal é um passo para o replanejamento das cidades brasileiras.
23/04/2017 – Jornal
Cruzeiro do Sul