22/10/2017 - Diário do Transporte
“Aos finais de semana, nossa demanda muda: há o passageiro
que usa todos os dias e, aos sábados e domingo, recebemos turistas, não para
fazer uso a caminho de alguma atração na cidade, mas para conhecer o sistema” A
explicação do diretor do setor de trilhos da BR Mobilidade, operadora do VLT
entre Santos e São Vicente, Julio Zapata, mostra que um meio de transporte que
é extremamente comum em diversas partes do mundo, e que convive muito bem com
ônibus e metrô, ainda é novidade no Brasil: o VLT.
Além do sistema de Veículo Leve sobre Trilhos da Baixada
Santista, no País há apenas em operação o VLT do Rio de Janeiro. No Rio, são
dois trajetos: Linha 1 , entre o Aeroporto Santos Dumont, passando pelo Centro
até Rodoviária Novo Rio e Praia da Formosa; e Linha 2, que faz a ligação entre
o Terminal de Barcas da Praça XV à Rodoviária Novo Rio e, desde este sábado, 21
de outubro, à Central do Brasil, passando pelo centro com trajeto perpendicular
ao da linha 1. A rede carioca é de 28 quilômetros de extensão. A demanda do Rio
de Janeiro é de 44 mil passageiros por dia, de acordo com os dados da
prefeitura mais recentes deste mês.
Na Baixada Santista, está em operação um ramal do VLT, desde
abril de 2015, mas de forma comercial desde 31 de janeiro de 2016, entretanto,
com a ampliação gradativa do número de estações e horário de operação. Somente
em 31 de janeiro de 2017, foi entregue o primeiro trecho completo, com 11,8
quilômetros de extensão e 15 estações fazendo a ligação entre o Porto de Santos
e o Terminal Barreiros, em São Vicente. A demanda é de 21 mil passageiros por
dia, mas se a rede fosse completa, mais gente poderia ser atendida e menos
carros poderiam estar nas ruas.
“As obras para a construção do segundo trecho, entre
Conselheiro Nébias e o Valongo, já deveriam ter sido licitadas, mas a
concorrência deve sair neste ano. Novos trens estão chegando. Até agora, ao VLT
não foi suficiente para tirar muitos carros das ruas e reduzir linhas de ônibus
porque sua rede não está completa. Quando for na direção do centro de Santos,
com o ramal 2, aí vamos começar a sentir a diferença mais significativa na
mobilidade aqui da região” – explicou Julio Zapata.
Além do trecho 2, há ainda no projeto um terceiro ramal, em
São Vicente, entre o Terminal Barreiros e o bairro de Samaritá. Quando os três
trechos estiverem em operação, a expectativa do Governo do Estado de São Paulo
é que sejam atendidos, por dia útil, em torno de 70 mil passageiros. Este
terceiro trecho, porém, ainda não tem previsão de data, de acordo com Zapata.
Mas e a rivalidade entre modais? O ônibus e o VLT brigam? Nem
no Rio de Janeiro e, muito menos, na Baixada Santista.
Na capital fluminense, a operação fica por conta de um consórcio
formado por CIIS (24,9317%), Odebrecht Mobilidade (24,9317%), Invepar
(24,9317%) e Riopar Participações (24,9317%). A BRt – Benito Roggio Transporte
(0,2506%) e a RATP do Brasil Operações – Participações e Prestações de Serviços
para Transporte (0,0226%), completam a composição.
Na Baixada Santista, o modelo de negócios é uma PPP –
Parceria Público Privada. As obras, a compra dos trens e os equipamentos que
formam a infraestrutura do sistema são de responsabilidade do Governo do Estado
de São Paulo, por meio da EMTU – Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos.
A operação dos trens, do CCO – Centro de Controle
Operacional, sinalização e das estações é de responsabilidade da BR Mobilidade,
do Grupo Comporte, da família Constantino. É o mesmo grupo que detém a Viação
Piracicabana, operadora dos ônibus municipais de Santos e de Praia Grande. As
linhas intermunicipais de ônibus que ligam nove cidades da Baixada Santista
também são operadas pela BR Mobilidade.
Esta ligação nos negócios entre ônibus e trilhos no Brasil é
inédita, mas, na visão do diretor da BR Mobilidade e da Viação Piracicabana,
Alceu Cremonesi Junior, deve ser uma tendência de mobilidade. O
executivo concorda que hoje o empresário de ônibus deve começar a considerar a
possibilidade de “entrar nos trilhos”.
“Não foi nossa iniciativa. Sempre tivemos a experiência no
transporte por ônibus, mas o poder público colocou essa situação, a do VLT aqui
na Baixada Santista, então, decidimos participar da concorrência. Aprendemos a
operar transporte por trilhos e nossa experiência nos sistemas de ônibus foi
fundamental. É uma tendência que pode se desenhar em outras cidades.”
A PPP do VLT da Baixada Santista conseguiu o UITP Awards
2017 – prêmio da União Internacional de Transporte Público – na categoria
Modelos de Negócio e de Financiamento Inovadores, em maio deste ano, como
noticiou o Diário do Transporte, na ocasião.
A BR Mobilidade começou a operar o sistema em junho de 2016.
O contrato é de 20 anos.
Para a fase 3, a BR Mobilidade terá de comprar 11 trens. O
trecho entre o Terminal Barreiros e o bairro Samaritá terá quatro estações e
deve responder por até 60% da nova demanda de passageiros esperada. Segundo
Julio Zapata, com a atual demanda e extensão, o VLT não se sustenta apenas pela
venda de passagens. A BR Mobilidade é remunerada não pelo número de passageiros
transportados e sim pelas estações em operação.
A integração entre ônibus e VLT existe, mas, apesar de
trilhos e pneus serem operados pelos mesmos donos, as negociações foram
difíceis, mas, segundo Alceu Cremonesi, porque não havia entendimento entre a
prefeitura de Santos e o Governo do Estado, responsáveis pelos gerenciamentos
dos ônibus municipais e do VLT, respectivamente.
“Estas questões não são decididas pelo operador. Há uma
compensação de custos de sistema, transferências que o gestor precisa definir.
Uma vez as condições acertadas, operamos de forma integrada”
A integração do VLT com o sistema municipal de Santos
começou apenas em 9 de setembro de 2017, com dez linhas de ônibus. Já a
integração entre VLT e linhas metropolitanas começou em 19 de junho de 2016,
mês que a BR Mobilidade começou a operar. Com o mesmo cartão, os passageiros
podem pagar as tarifas integradas ou somente do VLT, dos ônibus intermunicipais
da BR Mobilidade ou municipais de Santos.
Ainda não foi definida a integração com o sistema municipal
de São Vicente, operado por vans e micro-ônibus credenciados pela prefeitura.
CCO, OPERAÇÃO E MANUTENÇÃO:
O Diário do Transporte esteve nesta sexta-feira, 20 de
outubro de 2017, no CCO – Centro de Controle Operacional, do pátio de
manutenção do Porto de Santos e percorreu a linha. No dia, houve a necessidade
de manutenção corretiva na via entre as estações Porto e Ana Costa. No período
das 9h às 11h, o trecho foi atendido por ônibus. A reportagem fez a viagem ida
e volta, entre o Porto e o limite entre Santos e São Vicente na parte da tarde.
Desde o dia 2 de agosto, entre os terminais Emmerich e
Barreiros, a operação de dá em via singela (apenas um trilho), por causa de
obras de nivelamento no sentido Santos-São Vicente. Segundo a EMTU, as obras
foram concluídas e haverá testes com VLT sem passageiros para homologação dos
equipamentos. A previsão da gerenciadora é que até o final deste mês o trecho
esteja normalizado.
Com exceção dos problemas pontuais, a operação do VLT ocorre
de maneira tranquila. Os trens e estações são limpos e a viagem é confortável.
O veículo é elétrico, com isso, trepidações e nível de ruído
são muito baixos. A poluição durante a operação é zero.
O trecho é percorrido em cerca de 40 minutos, mas poderia
ser menos, de aproximadamente 25 minutos. Existem muitos cruzamentos na linha
com o trânsito de veículos e pedestres, 34 no total. Nem todos dão prioridade
ao VLT.
Cada VLT tem 44 metros de comprimento e transporta até 400
pessoas, das quais 76 sentadas. Mesmo assim, em alguns cruzamentos, o VLT tem
de parar para carros e motos passarem.
O intervalo é de cerca de 10 minutos entre as composições e
atualmente são 18 trens, sendo 14 em operação e quatro em ajustes finais.
Outros três chegaram recentemente e também estão sendo preparados no pátio de
manutenção.
Também foi comum ver tráfego de ciclistas na via, apesar de
haver ciclovia, e pedestres caminhando na região dos trilhos.
A BR Mobilidade faz campanhas de conscientização sobre a
necessidade de haver cuidado no trecho operado pelo VLT que aproveitou parte do
leito da antiga estrada de ferro Sorocabana.
Um dos pontos mais críticos é o túnel Morro do José Menino,
em Santos, já nas proximidades do limite com São Vicente. O local é ocupado por
usuários de drogas, em especial crack, que consomem os entorpecentes dentro do
túnel. No momento da reportagem, havia uma viatura da Polícia Militar em uma
das entradas do túnel. Os usuários de entorpecentes jogam lixo no túnel. A BR
Mobilidade diz que faz a limpeza diária constantemente no local.
A velocidade média do VLT da Baixada Santista é de 21 km/h,
poderia maior, se o modal sobre trilhos recebesse mais prioridade.
A operação, em grande parte da viagem, é totalmente manual.
O condutor controla a velocidade, para nos cruzamentos e estações e abre as
portas manualmente. Nos cruzamentos, há semáforos específicos de ferrovia. O
sinal com uma reta na vertical significa que o veículo pode seguir. Já na
posição horizontal, é sinal de que o veículo deve parar.
Na cabine do condutor, há um pedal da função chamada “homem
morto”. Constantemente, o dispositivo deve ser acionado. Caso não haja o
acionamento do pedal, o sistema “assimila” que o condutor teve algum mal súbito
e não tem mais condições de operar. O VLT então é parado.
O VLT possui três tipos de freio. O elétrico, que aproveita
a energia gerada pela frenagem e a regenera para o sistema, é o mais
acionado. Já o freio a disco é usado a partir de certo estágio de
redução de velocidade determinada pelo condutor. Por último, há um freio
eletromagnético, acionado em frenagens de emergência, que para abruptamente o
VLT. Este tipo de freio trata-se de uma sapata com uma espécie de imã, que faz
parte da estrutura do trem. Esta sapata fica somente a 8 mm do trilho. Quando
acionada, “gruda” o trem ao trilho.
Está sendo instalado um sistema de CBTC –
Communications-Based Train Control, em português Controle de Trens Baseado em
Comunicação, que automaticamente determina a distância entre os trens e a
velocidade em cada trecho de operação. Os testes ainda serão realizados e um
grupo de Portugal deve ser responsável pela instalação. O sistema é usado pelo
Metrô em São Paulo, nas linhas 2 e 5 (operação do Governo do Estado de São
Paulo) e na linha 4 (da ViaQuatro). O CBTC permite que um trem circule mais
próximo do outro com maior segurança. A solução gera mais espaço na linha para
a colocação de mais trens, podendo reduzir a lotação e o intervalo entre as
composições.
Toda a operação é monitorada por meio de um CCO – Centro de
Controle Operacional que fica no pátio anexo ao Terminal do Porto. Numa sala
especial, os técnicos da BR Mobilidade têm acesso às imagens geradas em tempo
real por 234 câmeras de monitoramento espalhadas em cruzamentos, trens,
estações e no trajeto. Usando comunicação por rádio, podem agir preventivamente
em diversas situações como para evitar acidentes ou orientar a operação em caso
de bloqueios de vias. Telas também informam em tempo real se as composições
estão atrasadas ou adiantadas e a situação dos equipamentos de vias e
sinalização.
O CCO gera relatórios para a EMTU e são discutidas melhorias
nos serviços.
Os trens do VLT da Baixada Santista foram fabricados pela
espanhola Vossloh e montados no Brasil pela T’Trans, que formaram um consórcio
para a licitação do sistema.
A Vossloh foi adquirida integralmente em janeiro de 2016
pela Stadler AG, da Suíça.
Cada composição de 44 metros e capacidade para 400
passageiros é formada por sete módulos – o veículo é contínuo, como no Metrô da
Linha 4 de São Paulo, por exemplo, não havendo divisões. O peso total é de
cerca de 60 toneladas. São seis motores elétricos, que ficam nos buggys
(conjunto de eixos e rodas). Todos os equipamentos, como baterias auxiliares
que permitem que o trem opere sem estar conectado à rede aérea de fios por 400
metros, ar-condicionado, equipamentos de sinalização e central elétrica ficam
em cima do VLT. Na parte inferior, estão motores e freios.
Assim como ocorre com os ônibus, existem as manutenções
corretivas, preventivas e preditivas, havendo troca de peças e reparos antes
mesmo da indicação no manual dos fabricantes dos equipamentos, dependendo da
operação. São sete níveis e manutenção, que vão da P 1 (a mais simples e
realizada várias vezes) e a P 7, quando o trem tem quase todos os equipamentos
desmontados. A P 1 pode ser realizada mais de uma vez entre um nível e outro. Pelos
trens serem novos, foram realizadas manutenções determinadas pelas fabricantes
até o nível P 4.
Um dos destaques da manutenção é um torno rodeiro, que
permite corrigir desgastes e imperfeições das rodas sem a necessidade de
desmontar o VLT. Com isso, a manutenção acaba sendo mais rápida.
No pátio há um sistema de reuso da água usada para lavar as
composições.
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