Revitalização parou em julho. Bonde de Santa Teresa está sem
funcionar há quase cinco anos
O Globo online
POR RENAN RODRIGUES 12/08/2016 4:30 / atualizado 12/08/2016
7:46
RIO - Faltando 15 dias para completar cinco anos do mais
grave acidente com o bondinho de Santa Teresa — que deixou seis mortos e levou
à suspensão do seu funcionamento —, as obras para a recuperação do sistema
foram interrompidas. Desde o fim do mês passado, não se veem mais operários na
área e trechos esburacados para a instalação de trilhos foram tapados.
Oficialmente, o governo estadual diz que a intervenção “está em fase de
planejamento das próximas etapas”, mas, nas ladeiras de Santa Teresa, o temor
de quem vive na região é que a grave crise financeira do estado paralise em
definitivo a obra, cuja conclusão está agora prevista para dezembro de 2017.
Os moradores não estão receosos à toa. Este ano, nenhum
centavo saiu dos cofres públicos para o bondinho. Em 2016, o orçamento prevê a
aplicação de R$ 13 milhões, mas nenhum recurso foi pago ou mesmo empenhado.
Além dos contratempos, os valores previstos para a obra foram turbinados por
uma série de aditivos: em vez de custar R$ 58,6 milhões, ela custará R$ 125
milhões, 113% mais, sob a alegação de adaptações necessárias.
O primeiro aditivo, de R$ 10,5 milhões, foi celebrado no
início de junho de 2014. Desde então, vários acréscimos foram feitos, e, em
abril deste ano, em meio à crise financeira que tem levado o estado a atrasar o
salário de servidores, a Secretaria estadual de Transportes aprovou o sétimo
acréscimo, no valor de R$ 27,3 milhões, mesmo com o indicativo de que o governo
teria dificuldades para continuar as intervenções. No ano passado, o estado
previa gastar com a obra R$ 20 milhões, valor que acabou sendo reduzido para R$
3,2 milhões. Ainda assim, somente R$ 2,3 milhões foram pagos, e R$ 940 mil
ficaram em aberto, segundo dados obtidos pelo deputado estadual Luiz Paulo
Correa da Rocha (PSDB).
— Conseguiram milhões para entregar o metrô para a
Olimpíada, mas para o bonde de Santa Teresa, uma obra que se arrasta há anos,
não. É injustificável que a recuperação do sistema demore tanto tempo — critica
o parlamentar.
Hoje, apenas um pequeno trecho do bondinho-símbolo de Santa
Teresa está em operação. O serviço, em fase de testes, atende ao circuito Largo
da Carioca-Largo dos Guimarães, de segunda a sábado, das 11h às 16h. As saídas
ocorrem a cada 20 minutos no ramal Guimarães, e a cada hora, no ramal Muratori.
— Já nos deu uma alegria (a fase atual de operação), mas
pedimos que o funcionamento comece às 5h. O estado alega que, devido ao aumento
da demanda que geraria, precisaria ampliar e reformar a oficina para ter
condições de fazer a manutenção. Disseram que, quando tiverem dinheiro, vão
priorizar a oficina, em vez de sair correndo com o trilho — diz Teresa Cruz,
uma das diretoras da Associação de Moradores e Amigos de Santa Teresa (Amast).
Durante a operação assistida, em que são feitos os testes,
não há cobrança de tarifa. Mesmo sem pagar passagem, os moradores se queixam,
já que o sistema não atende ao restante do bairro. A interrupção da obra que
levaria o transporte para outros pontos de Santa Teresa fica visível na Rua
Almirante Alexandrino, na altura do número 1.500. Segundo moradores da região,
operários do consórcio retiraram materiais que interditavam metade da via na
semana passada. Um sinal de trânsito, que havia sido instalado para que os
veículos trafegassem em esquema de pare e siga, foi desativado, e os buracos,
tapados.
Os sinais da interrupção são muitos. Em metade da rua, a
principal do bairro, é possível ver asfalto e trilhos antigos; na outra metade,
onde os trilhos já tinham sido retirados e havia obras, o consórcio cobriu a
via com areia. Restaram apenas poeira e uma pista desnivelada. Luiz Carlos
Santos, de 52 anos, diz que a mãe, de 75, sofre com problemas respiratórios,
agravados pela solução adotada — sem asfalto, basta um carro passar para o pó
subir.
A manicure Rosa Dutra, de 45 anos, não se importa com a
poeira, mas com o bolso e a trabalheira que tem tido:
— A obra parou no fim de julho, e não temos nenhuma previsão
de retomada. O bonde faz falta porque ele é mais barato (R$ 0,60) do que o
ônibus (R$ 0,80), e mais rápido. O problema é que esses ônibus demoram muito.
Às vezes, a espera chega a uma hora. Preciso levar e buscar meu filho de 8 anos
na escola, no Centro. São quatro passagens de ônibus que eu pago. Gasto cerca
de R$ 300 por mês com isso, um dinheiro que faz falta — reclama.
Símbolo do bairro e grande atrativo de turistas, o bondinho
também deixa os moradores saudosos dos tempos áureos, quando o veículo dava
charme ao lugar e era a melhor opção para se chegar e sair do bairro. Hoje
aposentada, Luzy Kremer, de 64 anos, conta que mora em Santa Teresa há 15 anos
e que costumava pegar o bonde diariamente para chegar ao trabalho. Ela lamenta
a mudança de hábito forçada, provocada após a tragédia de 2011:
— Era mais agradável e mais rápido que o ônibus, que empaca
com o trânsito. O bondinho nunca foi muito bem cuidado, é verdade, mas sinto
falta. Os moradores de Santa Teresa são muito apegados a ele, que ajuda muita
gente. Peguei uma fase em que precisava ir ao trabalho já sem o bonde. A
diferença foi nítida: eu chegava muito mais facilmente ao trabalho quando
descia de bonde.
SECRETARIA QUER REFORMAR OFICINA ESTE ANO
Em nota, a Secretaria estadual de Transporte justificou o
aumento no custo da obra alegando que, “durante a consolidação do projeto e
execução da obra foi identificada a necessidade de realização de serviços
extras, como remanejamento de tubulações e melhorias dos serviços de captação
de água pluvial, e a alteração do processo construtivo para redução de impactos
no bairro de Santa Teresa". Segundo a pasta, R$ 60 milhões já foram
aplicados na recuperação do sistema. O órgão informa que, este ano, a previsão
é “a reforma da oficina dos bondes e a conclusão do trecho que liga a Praça
Odylo ao Largo do França. Essas intervenções representam um valor estimado em
R$ 25 milhões. Para isso, aguardamos recursos do Tesouro Estadual para a
execução dessas obras.”
À Associação de Moradores e Amigos de Santa Teresa, o
governo estadual disse que a obra foi paralisada devido à Olimpíada para
garantir a mobilidade da cidade. A reportagem do GLOBO não conseguiu localizar
os representantes da empresa Azvi, parte do consórcio Elmo-Azvi, reponsável
pela execução das obras do bondinho de Santa Teresa. Já a Elmo Montagens,
procurada, não se manifestou.
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