terça-feira, 16 de agosto de 2016

Obra do bondinho está parada, mas custos já subiram 113%


Revitalização parou em julho. Bonde de Santa Teresa está sem funcionar há quase cinco anos

O Globo online
POR RENAN RODRIGUES 12/08/2016 4:30 / atualizado 12/08/2016 7:46

RIO - Faltando 15 dias para completar cinco anos do mais grave acidente com o bondinho de Santa Teresa — que deixou seis mortos e levou à suspensão do seu funcionamento —, as obras para a recuperação do sistema foram interrompidas. Desde o fim do mês passado, não se veem mais operários na área e trechos esburacados para a instalação de trilhos foram tapados. Oficialmente, o governo estadual diz que a intervenção “está em fase de planejamento das próximas etapas”, mas, nas ladeiras de Santa Teresa, o temor de quem vive na região é que a grave crise financeira do estado paralise em definitivo a obra, cuja conclusão está agora prevista para dezembro de 2017.

Os moradores não estão receosos à toa. Este ano, nenhum centavo saiu dos cofres públicos para o bondinho. Em 2016, o orçamento prevê a aplicação de R$ 13 milhões, mas nenhum recurso foi pago ou mesmo empenhado. Além dos contratempos, os valores previstos para a obra foram turbinados por uma série de aditivos: em vez de custar R$ 58,6 milhões, ela custará R$ 125 milhões, 113% mais, sob a alegação de adaptações necessárias.

O primeiro aditivo, de R$ 10,5 milhões, foi celebrado no início de junho de 2014. Desde então, vários acréscimos foram feitos, e, em abril deste ano, em meio à crise financeira que tem levado o estado a atrasar o salário de servidores, a Secretaria estadual de Transportes aprovou o sétimo acréscimo, no valor de R$ 27,3 milhões, mesmo com o indicativo de que o governo teria dificuldades para continuar as intervenções. No ano passado, o estado previa gastar com a obra R$ 20 milhões, valor que acabou sendo reduzido para R$ 3,2 milhões. Ainda assim, somente R$ 2,3 milhões foram pagos, e R$ 940 mil ficaram em aberto, segundo dados obtidos pelo deputado estadual Luiz Paulo Correa da Rocha (PSDB).

— Conseguiram milhões para entregar o metrô para a Olimpíada, mas para o bonde de Santa Teresa, uma obra que se arrasta há anos, não. É injustificável que a recuperação do sistema demore tanto tempo — critica o parlamentar.

Hoje, apenas um pequeno trecho do bondinho-símbolo de Santa Teresa está em operação. O serviço, em fase de testes, atende ao circuito Largo da Carioca-Largo dos Guimarães, de segunda a sábado, das 11h às 16h. As saídas ocorrem a cada 20 minutos no ramal Guimarães, e a cada hora, no ramal Muratori.

— Já nos deu uma alegria (a fase atual de operação), mas pedimos que o funcionamento comece às 5h. O estado alega que, devido ao aumento da demanda que geraria, precisaria ampliar e reformar a oficina para ter condições de fazer a manutenção. Disseram que, quando tiverem dinheiro, vão priorizar a oficina, em vez de sair correndo com o trilho — diz Teresa Cruz, uma das diretoras da Associação de Moradores e Amigos de Santa Teresa (Amast).

Durante a operação assistida, em que são feitos os testes, não há cobrança de tarifa. Mesmo sem pagar passagem, os moradores se queixam, já que o sistema não atende ao restante do bairro. A interrupção da obra que levaria o transporte para outros pontos de Santa Teresa fica visível na Rua Almirante Alexandrino, na altura do número 1.500. Segundo moradores da região, operários do consórcio retiraram materiais que interditavam metade da via na semana passada. Um sinal de trânsito, que havia sido instalado para que os veículos trafegassem em esquema de pare e siga, foi desativado, e os buracos, tapados.

Os sinais da interrupção são muitos. Em metade da rua, a principal do bairro, é possível ver asfalto e trilhos antigos; na outra metade, onde os trilhos já tinham sido retirados e havia obras, o consórcio cobriu a via com areia. Restaram apenas poeira e uma pista desnivelada. Luiz Carlos Santos, de 52 anos, diz que a mãe, de 75, sofre com problemas respiratórios, agravados pela solução adotada — sem asfalto, basta um carro passar para o pó subir.

A manicure Rosa Dutra, de 45 anos, não se importa com a poeira, mas com o bolso e a trabalheira que tem tido:

— A obra parou no fim de julho, e não temos nenhuma previsão de retomada. O bonde faz falta porque ele é mais barato (R$ 0,60) do que o ônibus (R$ 0,80), e mais rápido. O problema é que esses ônibus demoram muito. Às vezes, a espera chega a uma hora. Preciso levar e buscar meu filho de 8 anos na escola, no Centro. São quatro passagens de ônibus que eu pago. Gasto cerca de R$ 300 por mês com isso, um dinheiro que faz falta — reclama.

Símbolo do bairro e grande atrativo de turistas, o bondinho também deixa os moradores saudosos dos tempos áureos, quando o veículo dava charme ao lugar e era a melhor opção para se chegar e sair do bairro. Hoje aposentada, Luzy Kremer, de 64 anos, conta que mora em Santa Teresa há 15 anos e que costumava pegar o bonde diariamente para chegar ao trabalho. Ela lamenta a mudança de hábito forçada, provocada após a tragédia de 2011:

— Era mais agradável e mais rápido que o ônibus, que empaca com o trânsito. O bondinho nunca foi muito bem cuidado, é verdade, mas sinto falta. Os moradores de Santa Teresa são muito apegados a ele, que ajuda muita gente. Peguei uma fase em que precisava ir ao trabalho já sem o bonde. A diferença foi nítida: eu chegava muito mais facilmente ao trabalho quando descia de bonde.

SECRETARIA QUER REFORMAR OFICINA ESTE ANO

Em nota, a Secretaria estadual de Transporte justificou o aumento no custo da obra alegando que, “durante a consolidação do projeto e execução da obra foi identificada a necessidade de realização de serviços extras, como remanejamento de tubulações e melhorias dos serviços de captação de água pluvial, e a alteração do processo construtivo para redução de impactos no bairro de Santa Teresa". Segundo a pasta, R$ 60 milhões já foram aplicados na recuperação do sistema. O órgão informa que, este ano, a previsão é “a reforma da oficina dos bondes e a conclusão do trecho que liga a Praça Odylo ao Largo do França. Essas intervenções representam um valor estimado em R$ 25 milhões. Para isso, aguardamos recursos do Tesouro Estadual para a execução dessas obras.”

À Associação de Moradores e Amigos de Santa Teresa, o governo estadual disse que a obra foi paralisada devido à Olimpíada para garantir a mobilidade da cidade. A reportagem do GLOBO não conseguiu localizar os representantes da empresa Azvi, parte do consórcio Elmo-Azvi, reponsável pela execução das obras do bondinho de Santa Teresa. Já a Elmo Montagens, procurada, não se manifestou.


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