10/02/2017 - Estadão
O Ministério Público Estadual (MPE) investiga um esquema de
fraude e superfaturamento em dois trechos das obras da Linha 4-Amarela do Metrô
de São Paulo que teria desviado ao menos R$ 47,8 milhões. Os promotores
identificaram pagamentos milionários feitos pela estatal paulista ao consórcio
espanhol Corsan Corviam durante meses em que a construção ficou completamente
paralisada, entre 2014 e 2015.
O contrato foi rescindido unilateralmente pelo Metrô em
setembro de 2015, por causa dos sucessivos atrasos na obra. Um novo negócio foi
fechado para concluir a extensão da Linha 4 com mais quatro estações até a Vila
Sônia, zona sul, elevando o custo do empreendimento em 55% e prorrogando o
prazo de entrega para 2019, cinco anos depois do prometido. O Metrô afirma que
todos os pagamentos “foram liberados somente mediante confirmação dos serviços
realizados” e o consórcio nega as irregularidades.
A investigação, contudo, reúne uma série de documentos sobre
as fraudes, como comprovantes de pagamentos feitos pelo Metrô por serviços não
prestados, papéis que indicam sonegação de impostos, provas de saques em
dinheiro na boca do caixa, além de e-mails trocados entre os gerentes da
estatal e do consórcio que indicam o superfaturamento nas medições da evolução
física da obra. Parte da documentação foi obtida a partir de uma denúncia
anônima, que também motivou a abertura do inquérito.
Um relatório produzido pelos promotores Cassio Conserino e
Fernando Henrique de Moraes Araújo, responsáveis pela investigação, lista 29
irregularidades e 50 funcionários do Metrô e da Corsan Corviam que devem ser
investigados. Para os promotores, houve crime de fraude em licitação, peculato
(corrupção praticada por funcionário público), corrupção ativa e passiva,
falsidade ideológica, falsificação de documentos, apropriação indébita
previdenciária, associação criminosa e lavagem de dinheiro.
Fraudes. Em um dos casos, a investigação aponta que as obras
do trecho 2 da Linha 4 (Estação Vila Sônia e extensão) pararam totalmente a
partir de novembro de 2014, mas já não tinham nenhuma evolução física desde
agosto daquele ano. Mesmo com o canteiro completamente paralisado, foram
repassados pelo Metrô ao consórcio R$ 12,6 milhões, segundo os promotores. O
contrato com a Corsan Corviam foi assinado em 2012. De acordo com o MPE, desde
novembro de 2013 o trecho 2 “andou” apenas 3%, mas o Metrô desembolsou R$ 55,3
milhões, valor que correspondia a 14,3% do custo total.
Já na Estação São Paulo-Morumbi, as obras pararam em março
de 2014, mas continuaram recebendo repasses por mais de um ano, ainda segundo o
relatório da Promotoria. “Foram feitas 16 medições após a interrupção.
Constatamos pelo menos 11 repasses que totalizaram R$ 8,5 milhões. No mês de
março de 2015, houve um pagamento de mais de R$ 1,4 milhão para obras no trecho
- parado há mais de um ano.”
Outra irregularidade foi constatada na Estação Oscar Freire,
nos Jardins. Um relatório de maio de 2015 diz que as obras estavam praticamente
paradas, sem nenhum avanço físico. O Metrô, porém, executou sete pagamentos que
totalizaram R$ 377,6 mil após a interrupção dos trabalhos. No terminal e no
pátio de manobra da Vila Sônia, o relatório diz que, apesar de “ausência de
atividades e baixa mobilização de mão de obra”, foram repassados R$ 338 mil e
depois R$ 743 mil com base em medições fraudadas.
Aparelhos. Outro fato que chamou a atenção dos
investigadores foi que, um mês antes do cancelamento do contrato com o
consórcio, o Metrô autorizou a compra de dez aparelhos de mudança de vias,
enquanto o contrato previa a aquisição de apenas um equipamento desse tipo.
Foram gastos quase R$ 5,9 milhões, embora o previsto era pagar apenas R$ 509
mil por uma unidade.
“O fato, além de ser suspeito, se constituiu no segundo
maior pagamento feito em três anos de obra nesse trecho”, afirmam os promotores
no relatório que foi encaminhado ao procurador-geral da República, Rodrigo
Janot, para avaliar se a competência da investigação é estadual ou federal, uma
vez que a obra recebeu financiamento de instituições internacionais, como o
Banco Mundial, e a empresa investigada é uma multinacional com sede na Espanha.
Segundo Conserino, há indícios claros de desvio de recursos
públicos. “Seria o mesmo que fazer um orçamento com um pintor, ele cobrar R$ 1
mil e você pagar R$ 4 mil. Só que no caso do Metrô isso foi feito com dinheiro
público.” Banco Mundial auditou contratos, diz companhia.
O Metrô de São Paulo afirmou, em nota, que não teve acesso
ao inquérito criminal aberto pelo Ministério Público Estadual, mas destacou que
as duas licitações vencidas pelo consórcio Corsan Corivam, em 2012, para as
obras da fase 2 da Linha 4-Amarela “seguiram as severas regras de compliance do
Banco Mundial”, órgão internacional que financiou parte da construção e possui
regras próprias para as contratações.
Segundo a estatal, o Banco Mundial audita e aprova todo o
processo de licitação e execução contratual, o que é condição para liberação do
financiamento. Nesses casos, afirma, não se segue integralmente a lei federal
de licitações (8.666/93). “Todos os pagamentos efetuados à Corsan Corviam foram
liberados somente mediante confirmação dos serviços realizados, em valores
firmados pelos contratos e em conformidade com as Normas de Medição - documento
público, anexo ao contrato”, afirma a companhia.
O Metrô alega ainda que “mesmo nos casos de redução do ritmo
das obras e até paralisação está previsto em contrato a responsabilidade da
contratada de manutenção e segurança patrimonial dos canteiros de obras e
principalmente das atividades imprescindíveis para a segurança física das
escavações e estruturas paralisadas”.
A companhia ressalta que o contrato com o consórcio espanhol
foi rescindido unilateralmente em setembro de 2015 por “abandono da obra, não
atendimento das normas de qualidade, segurança do trabalho e meio ambiente e
ausência de pagamento das subcontratadas”. Foram aplicadas multas de R$ 23,4
milhões à Corsan Corviam, que perdeu uma ação na Justiça para tentar suspender
a sanção.
Sobre a denúncia de que teria comprado nove aparelhos de
mudança de via a mais do que o único equipamento citado no contrato, o Metrô
diz que dez aparelhos já estavam contratualmente previstos e serão instalados
no Pátio Vila Sonia. Os pagamentos, acrescenta, são feitos em duas etapas: no
recebimento e na instalação dos itens.
Quanto à suspeita de envolvimento de funcionários na fraude
investigada, o Metrô afirma que “tem padrões rígidos e regras de conduta e não
aceita nem compactua com qualquer tipo de irregularidade e colaborará com as
investigações”. A estatal informou ter recebido da Promotoria pedido de cópia
dos processos de licitação e de execução contratual no último dia 30 e enviará
todas as informações solicitadas no prazo. “Diante de eventual abertura de
processo judicial, a empresa tomará as medidas administrativas cabíveis”,
conclui.
Consórcio. Já a empresa Corsan Corviam afirmou, em nota, ter
ficado “surpresa” com a investigação e diz que nunca foi procurada nem intimada
para prestar esclarecimentos sobre o caso. Ela informou ainda que “está segura
que não cometeu nenhuma irregularidade durante o período em que permaneceu como
responsável pelas obras”.
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