Pesquisa sobre deslocamento das mulheres em São Paulo mostra diferenças
que indicam um padrão de mobilidade próprio, determinado por gênero
Estudo da Prefeitura baseou-se na
pequisa Origem-Destino
créditos: Daniel P. Sobreira/ Clickmobilidade
Os deslocamentos que uma pessoa faz
em uma cidade também têm relação com o gênero. Mulheres fazem um número
diferente de viagens cotidianas em relação aos homens, usam mais determinados
tipos de transporte e mesmo suas motivações para se deslocarem são muitas vezes
específicas.
Essa peculiaridade na mobilidade é
alvo de um novo estudo da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano de São
Paulo realizado a partir de dados da pesquisa Origem e Destino de 2012 do Metrô
de São Paulo.
O que diz o estudo
- Mulheres usam mais (74,6%) o
transporte coletivo e andam mais a pé que os homens (62,5%). Somadas, as
porcentagens desses meios de transporte resultam 74,6% para elas e 62,5% para
eles;
- Em uma família com ganhos mensais
menores que R$ 1.244, 50% das viagens das mulheres são feitas caminhando e 28%
de ônibus;
- Nos deslocamentos feitos por carro,
as mulheres são passageiras na maioria das vezes: 13,7% de suas viagens são
feitas por elas mesmas ao volante, enquanto para os homens, essa porcentagem
quase dobra (26,4%);
- As principais motivações das
mulheres para se deslocarem são as mesmas se comparado aos homens: trabalho e
estudo. No entanto, as viagens delas têm razões mais diversificadas, o que
indica que tarefas como fazer compras e levar familiares ao médico ainda recaem
principalmente sobre as mulheres, depreende a pesquisa.
Segundo o relatório, o fato de
mulheres utilizarem mais o transporte público e andarem mais a pé as torna
“atores centrais para o planejamento urbano”, já que por conta disso “vivenciam
de maneira mais próxima e orgânica essa dimensão do espaço público e seus
equipamentos”.
Renda e locomoção
Além de diferenciar a mobilidade de
homens e mulheres, o estudo da prefeitura também mostra como mulheres de faixas
de renda diferentes se deslocam de maneiras distintas pela cidade de São Paulo.
Segundo o estudo, as características
socioeconômicas da população “contribuem para que o acesso físico à cidade não
seja homogêneo”. Essa diferenças influenciam, além da locomoção ao local de
trabalho e estudo, o acesso à cultura e aos cuidados com a saúde.
O levantamento mostra que mulheres
situadas nas faixas de renda familiar mais baixas fazem menos viagens com motivo
final “trabalho”. O dado sugere situações em que mulheres abandonam seus
empregos para dar conta da casa e dos filhos e também o exercício do trabalho
informal.
No caso de mulheres de renda familiar
mais alta, a divisão de trabalho com os homens pode ser menos desigual. Elas
contam, geralmente, com profissionais e instituições que acompanhem seus filhos
e isso impacta seu padrão de mobilidade. Além disso, sua inserção e permanência
no mercado de trabalho formal é maior.
A mobilidade das mulheres
O estudo mostra que as viagens feitas
pelas mulheres em São Paulo extrapolam o eixo “moradia-trabalho”, mais
comum para os homens. Elas incluem idas e vindas a supermercados, lojas,
farmácias, creches, escolas, postos de saúde e outros inúmeros destinos, que
acabam desenhando um tipo específico de deslocamento no espaço.
“Apesar de a crescente inserção das
mulheres no mercado de trabalho nas últimas décadas, a elas ainda cabe muitas
vezes a ‘função lar’, quer dizer, viagens de manutenção da casa", afirma a
engenheira Haydée Svab, autora de outro estudo sobre a mobilidade das mulheres
em São Paulo, em entrevista ao Nexo.
A realização dessas atividades em uma
cidade segregada socialmente, cujas condições de acessibilidade não são
adequadas, diminuem o raio de ação territorial dessas mulheres. A limitação
explica o maior número de deslocamentos a pé feitos por elas, assim como a
duração menor de suas viagens.
A diversificação maior das razões
pelas quais as mulheres se deslocam está ligada ao papel social esperado delas,
segundo Svab. “As pessoas esperam que um homem seja o provedor, seja o chefe da
família. Espera-se que a mulher cuide da casa e da família, faça as compras.
Ela exerce [esse papel], seja porque quer, seja porque foi ensinada ou porque a
sociedade espera isso dela”.
Série histórica
O estudo de Haydée Svab, “Evolução
dos padrões de deslocamento na Região Metropolitana de São Paulo: a necessidade
de uma análise de gênero”, também teve como base a pesquisa Origem e Destino do
Metrô de São Paulo, assim como o material da prefeitura.
O banco de dados da pesquisadora foi
formado a partir das pesquisas dos anos de 1977, 1987, 1997 e 2007, e as
conclusões foram semelhantes. Svab analisou o número de viagens realizadas por
mulheres e descobriu a situação familiar declarada pelas mulheres na pesquisa
do metrô como um fator relevante para a mobilidade dessas mulheres. Elas podiam
optar por responder que são cônjuge, chefe de família - substituído por “pessoa
responsável” em pesquisas mais recentes - filho, parente ou outro.
Ela descobriu ainda que mulheres cuja
situação familiar era a de “cônjuge” se deslocavam menos e não tinham
prioridade no uso do carro da família em relação aos homens, e mulheres mais
instruídas se deslocavam mais.
Svab também constatou que a cidade é
“menor” para as mulheres: homens percorrem distâncias maiores e fazem viagens
mais longas em São Paulo, por isso para eles o acesso à cidade é, de modo
geral, mais amplo.
Como reduzir as desigualdades
O estudo da prefeitura propõe medidas
que beneficiam as pedestres, como manter reduzida a velocidade máxima de vias,
instalação e melhoramentos em calçadas e iluminação. As políticas sugeridas
para beneficiar as usuárias do transporte público incluem aumentar o número de
motoristas mulheres, permitir o desembarque noturno de ônibus em locais seguros
fora dos pontos regulares e reduzir tarifas de transporte.
Políticas indiretas também podem
reduzir a desigualdade no padrão de deslocamento das paulistanas. “A
instalação adequada de creches em quantidade e localização, escolas públicas
com educação integral e centros públicos de atividades para a população idosa e
pessoas com deficiência podem contribuir com a entrada e a permanência no
emprego de mulheres”, propõe o documento da secretaria. Dessa forma, os
deslocamentos para essas finalidades ficariam melhor distribuídos entre homens
e mulheres.
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