25/10/2016 - Estadão
Com o objetivo de
evitar uma ação judicial por improbidade administrativa, a Companhia Paulista
de Trens Metropolitanos (CPTM) decidiu anular um contrato milionário para
manutenção de 48 trens da Linha 10-Turquesa, que liga o centro de São Paulo ao
ABC paulista. Para o Ministério Público Estadual (MPE), que havia recomendado a
medida em agosto por suspeita de fraude na licitação, a decisão da estatal
controlada pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB) “é o reconhecimento da
existência do cartel” de empresas acusadas de dividir contratos de trens e
metrô em São Paulo.
Em nota, a CPTM
afirma que o contrato de R$ 220,2 milhões, assinado em março de 2013 com o
consórcio TMT, formado pelas empresas Trail e Temoinsa, “não foi lesivo aos
cofres públicos” porque houve “desconto de 33% na proposta vencedora”. Segundo
a companhia, o processo de abertura de uma nova licitação está em curso desde
agosto, mês em que o MPE recomendou a anulação do negócio. O cancelamento do
acordo em vigor só deve acontecer após a contratação de um novo fornecedor,
para não afetar o serviço. A previsão, porém, é de que isso seja concluído em
abril de 2017, quando vence o contrato sob suspeita.
Na recomendação
administrativa feita em agosto ao presidente da CPTM, Paulo de Magalhães Bento
Gonçalves, o promotor Marcelo Milani, da Promotoria do Patrimônio Público e
Social, pedia a nulidade imediata da licitação e do contrato alegando que a
concorrência pública feita em 2012 foi um dos alvos do suposto cartel de trens.
O promotor afirma que as investigações mostraram que as empresas do setor
subcontratam umas às outras “com o objetivo de auferir vantagens ilícitas
decorrentes das práticas anticoncorrenciais”.
Em ofício enviado
ao promotor no mês passado, a CPTM afirma que “cumprirá” o que foi determinado
na recomendação administrativa “com o intuito de evitar o ajuizamento de ação
de improbidade administrativa ou de responsabilidade em face de seus atuais e
ex-dirigentes, bem como da própria companhia”, mas alega que “diante da
complexidade” da licitação, a publicação do edital deve demorar 120 dias.
Cartel. Entre os
indícios do cartel, Milani destaca que as empresas que disputaram a licitação
em 2012 (Temoinsa, Alstom e CAF) eram parceiras no consórcio que detinha o
contrato anterior dos mesmos serviços, assinado em 2007 no valor de R$ 282,5
milhões. À época, afirma o promotor, a TTrans foi a única empresa que
apresentou uma proposta concorrente na licitação e, depois que perdeu a
concorrência, foi subcontratada pelo consórcio vencedor.
Já existem duas
ações civis públicas propostas pelo MPE por formação de cartel em contratos de
reformas e manutenção de trens da CPTM entre os anos de 2007 e 2012, nos
governos José Serra, Alberto Goldman e Alckmin, todos do PSDB. Em uma delas,
ajuizada em setembro de 2015, a Promotoria pediu à Justiça a dissolução de nove
grupos empresariais, entre os quais as multinacionais Siemens, Alstom, CAF do
Brasil e Bombardier, e pedem que elas restituam quase R$ 1 bilhão aos cofres
públicos.
O cartel
metroferroviário de São Paulo foi revelado pela Siemens, em acordo de leniência
com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão antitruste do
governo federal, em maio de 2013. A empresa alemã admitiu a prática do conluio
no âmbito de contratos da CPTM e do Metrô, no período de 1998 a 2008. Desde a
revelação do esquema, o governo Alckmin mandou investigar o caso. A CPTM e o
Metrô estão colaborando com as investigações e a Procuradoria-Geral do Estado
já ingressou com ação na Justiça contra 19 empresas para exigir ressarcimento
aos cofres públicos. As empresas negam irregularidades e dizem que também
colaboram com a investigação.
“Para o Ministério
Público Estadual, a decisão de anular o contrato é o reconhecimento por parte
da companhia da existência de fraude e formação de cartel, que atuou em todos
os contratos de manutenção de trens da CPTM desde 1998. Já temos duas ações
ajuizadas e a investigação ainda não terminou”, disse Milani.
Espanhóis. O
contrato sob suspeita envolve a manutenção dos chamados “trens espanhóis”, que
foram fabricados em 1974 e adquiridos pelo governo paulista em 1998. Hoje, eles
rodam apenas na Linha 10-Turquesa (Brás-Rio Grande da Serra). Em seu site, a
Temoinsa afirma que presta o serviço nesses 48 trens desde 1999. Segundo a
CPTM, o primeiro contrato foi assinado em 2001.
Em julho, o
Tribunal de Contas do Estado (TCE) já havia cobrado explicações da companhia
sobre uma série de irregularidades envolvendo seis contratos assinados em 2013
para a manutenção de 196 trens. As contratações somam R$ 907 milhões em valores
da época, ou R$ 1,1 bilhão em números corrigidos pela inflação.
A Companhia
Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) afirmou, em nota, que o atual contrato
de manutenção dos 48 trens espanhóis, no valor de R$ 220,2 milhões, “não foi
lesivo aos cofres públicos” porque “o processo licitatório obteve desconto de
33% na proposta vencedora”. Segundo a estatal, o contrato assinado com o
consórcio TMT corresponde a uma economia de R$ 111 milhões e tem valor até 44%
menor do que os contratos anteriores para o mesmo serviço.
“Além disso, os
itens considerados na recomendação do Ministério Público em nenhum momento
imputam conduta irregular ou inadequada à CPTM ou a qualquer agente público. A
Companhia entende que não praticou qualquer ato irregular e prestou todos os
esclarecimentos ao Ministério Público”, afirma. A estatal disse que abriu
investigação interna para apurar se houve fraude na licitação. A reportagem não
conseguiu localizar as empresas do consórcio TMT.
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