22/11/2016
- Folha de São Paulo
A paralisação de obras do
metrô espalhou quarteirões fantasmas pela capital paulista. Parte dos quase 600
imóveis esvaziados para a construção de futuras estações está tomada por lixo,
pichação e usuários de drogas.
Tanto o governo Geraldo
Alckmin (PSDB) como o consórcio responsável por uma das linhas alega falta de
verba para as obras.
Por exemplo, há alguns anos,
quem passasse pela área onde será construída a estação Água Rasa (zona leste),
da linha 2-verde, veria pessoas nas calçadas e um comércio movimentado. Agora,
o cenário é de casas abandonadas, pichadas e mato nas calçadas.
A parte dos imóveis que foi
demolida virou um terreno baldio. O muro que cercava o local foi destruído e,
do lado de dentro, é possível ver um sofá e restos de fogueira em meio a
toneladas de entulho.
Nos estudos sobre segurança
pública, a famosa teoria das "janelas quebradas" prega que a
degradação urbana e os índices de criminalidade aumentam em áreas com aparência
de abandono.
Moradores da Água Rasa já
sentem os efeitos dessa mudança. À noite, dizem, o pedaço é tomado por usuários
de drogas e criminosos.
"Não dá mais para passar
aí a pé quando escurece, é um breu, um deserto", diz o dono de uma loja de
óleo para veículos, Francisco Ramos, 69, há mais de 20 anos no local.
"Vários clientes deixaram de vir aqui", afirma.
Sem verba, governo estadual e
empresas paralisaram a construção de parte importante das novas linhas da
cidade. O prolongamento da linha 2-verde até Guarulhos foi suspenso no início
do ano até dezembro.
Atualmente, a linha liga a
Vila Madalena à Vila Prudente.
Também as obras da futura
linha 6-laranja, que ligará a Brasilândia (zona norte) à Liberdade (centro),
foram prejudicadas. Em setembro, o consórcio Move SP - composto pelas empresas
Odebrecht Transport, Queiroz Galvão, UTC Engenharia e pelo fundo Eco Realty,
contratado pelo governo para construir e operar a linha em regime de PPP-
anunciou congelamento dos trabalhos.
Inicialmente prevista para
2020, não há mais data para início da operação da linha.
Para as obras nas duas linhas,
já foram esvaziados 598 imóveis. A reportagem esteve nas áreas de futuras
estações nas zonas leste, oeste e norte e constatou que o descompasso entre o
esvaziamento das construções e o início das obras gerou efeitos colaterais.
Nos quarteirões
desapropriados, além da falta de segurança, a vizinhança diz que os imóveis são
invadidos por pessoas em busca de materiais para ferros-velhos e também são
usados para o despejo irregular de entulho.
DESPEJADOS
Na Brasilândia (zona norte),
onde será construída uma estação da linha 6-laranja, os tapumes se estendem por
quatro quarteirões ao longo da estrada do Sabão. O terreno cercado sem
operários causa indignação em moradores que tiveram suas casas demolidas e hoje
vivem de aluguel.
Nascida em Mossoró (RN), a
dona de casa Antonia Zuza, 49, chegou na década de 1990 ao bairro com a
família. Ela e o marido juntaram dinheiro e ergueram uma casa nos fundos do
terreno do cunhado.
"Achei que nunca mais
iria voltar ao aluguel. Hoje, estou pagando R$ 800 para morar com a minha
família". Como o terreno não era dela, não receberá pela desapropriação.
Os proprietários dos terrenos
que conversaram com a reportagem afirmam que, mesmo tendo entregue as casas, o
dinheiro da desapropriação continua barrado por pendências judiciais.
"Morávamos há 50 anos
naquela casa. Eles deram uma data e tivemos que sair sem nada", diz a dona
de casa Claudete Souza, 66, que hoje paga R$ 1.000 de aluguel numa casa perto
da antiga. "Ficamos sem casa e não vamos ver esse metrô pronto."
SAQUES E DENGUE
As centenas de casas e
terrenos desapropriados para a expansão do metrô viraram cenário de garimpo
urbano, depósito de entulho e também possível criadouro de mosquitos da dengue.
Os moradores dos arredores da
futura estação Sesc Pompeia, da linha 6-laranja, contam que já presenciaram
vários casos invasões de imóveis vazios em busca de materiais recicláveis.
"Eles entram para pegar
qualquer coisa que possam vender: fios, móveis, ferro", diz o o
comerciante Luís Antonio Cardoso, 59.
Ele mora bem ao lado de uma
das casas desapropriadas. "Um cara deu três passos e subiu no muro da casa
vizinha à minha. Bem na minha frente. Depois passou pelo meio da grade."
De madrugada, diz ele, o
barulho dos catadores de recicláveis era tamanho que era difícil dormir.
Cardoso diz que reclamações ao consórcio responsável causaram o reforço da
vigilância no local, com rondas mais frequentes.
"Mas a situação continua
ruim, porque ficamos vulneráveis e sem prazo para isso se resolver. Os tapumes
pichados chamam a atenção, o mato cresce", diz.
Nos lugares em que as casas já
foram demolidas, o principal problema relatado é o depósito de entulho.
O muro que cercava um grande
terreno da futura estação Água Rasa da linha 2-verde, na zona leste, foi
destruído. "Jogam de tudo aí", diz Rafael Felipe, 30, proprietário de
uma loja de tintas nos arredores do canteiro de obras.
Ele diz que a situação gera
preocupação com questões de saúde. "Isso aí é um perigo para dengue."
Característica comum entre os
locais visitados pela Folha é a proliferação de pichações nos locais
desapropriados.
"Mudou muito aqui. Isso
aí que você está vendo na frente era um açougue, tudo bonitinho. E olha agora
como está", diz a comerciante Margarida de Almeida, 72, apontando para um
imóvel pichado. O local está reservado para as obras da estação Nova
Manchester, da linha 2-verde.
Preocupado com a perda da
identidade da Brasilândia (zona norte), onde será construída uma estação da
linha 6-laranja, o professor James Pereira, 55, diz que resolveu registrar o
antes e depois das obras por meio de fotos. "Fica como documento
histórico."
OUTRO LADO
O Metrô de SP afirma fazer
vigilância dos imóveis desapropriados e promete limpar os locais com entulho.
A companhia ligada ao governo
de SP afirma ter tomado posse de 227 imóveis para as obras de prolongamento da
linha 2-verde, dos quais 50 foram demolidos. Uma empresa terminará a demolição
dos imóveis nas áreas reservadas para as estações da linha.
Segundo o Metrô, está em
análise um edital para contratação de empresa para "a manutenção e limpeza
dos terrenos, como a retirada dos entulhos, sanificação das áreas e fechamento
com grades, além da reconstrução de suas respectivas calçadas".
A companhia diz manter
vigilância "ostensiva motorizada em toda a extensão da linha durante 24
horas por dia". Segundo nota enviada à Folha, quatro vigilantes se revezam
em dois turnos. Em caso de ocorrência nos terrenos, diz, a PM é chamada.
Os contratos das obras da
linha 2-verde estão suspensos até dezembro "em decorrência da não
liberação de limite pela União de um financiamento de R$ 2,5 bilhões via
BNDES". Por isso, não há previsão de início dos trabalhos.
No caso da linha 6-laranja, a
concessionária Move São Paulo paralisou as obras por não conseguir
financiamento de longo prazo.
O governo notificou a empresa
para que volte às obras, sob risco de penalidade, e tenta financiamento
federal.
A linha prevê desapropriação
de 371 imóveis privados, dos quais 344 já estão em posse da concessionária.
Segundo o Metrô, as áreas são fiscalizadas pelo governo e, em caso de
irregularidade, a Move SP pode ser multada.
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