25/08/2016 15:30 - ANTP
Não é de hoje que o sistema de transporte coletivo, seja por trilhos ou
pneus, sofre com as perdas advindas das gratuidades. Ao mesmo tempo em que se
cobram melhorias na qualidade do transporte público (que vem caindo ano após
ano), ignora-se as enormes dificuldades que prefeituras e estados têm em manter
o equilíbrio do sistema.
Pode-se localizar nas manifestações de junho de 2013 o foco exacerbado
que se deu na discussão da questão tarifária. Para quem olha de fora, a relação
é comercial: avalia-se a qualidade do produto oferecido em função do preço que
por ele se paga. O problema é que, ao contrário do mercado tradicional, no
serviço público de transportes existe um fenômeno que não se pode ignorar chamado
gratuidade. Daí deriva o subsídio cruzado, quando o preço cobrado de uma classe
de consumidores acaba compensado pelo preço mais alto cobrado aos demais. Para
se ter ideia do tamanho dessa conta, em dois anos, idosos com passe livre dobraram no metrô
de São Paulo - o número que era de 25 milhões em 2013, chegou a 51 milhões no
ano passado. Quem paga por eles? O contribuinte? O usuário final, que paga a
tarifa toda vez que utiliza o metrô?
No sistema de ônibus, metrô e trens a coisa tem funcionado assim. Não
que gratuidades não sejam necessárias; elas são, em sua maioria, mais que
justas. O erro está em não garantir a receita necessária e suficiente para que
elas possam ser oferecidas de maneira seletiva sem prejudicar os demais
usuários do sistema de transporte.
Esta conta não pode ser paga pelos usuários, nem cabe distribuí-la por
todos os contribuintes de maneira igual, o que penalizaria os mais pobres.
Enquanto isso, a qualidade do sistema acaba prejudicada, isso porque parte do
que poderia ser aplicado em manutenção, investimento e expansão, acaba sendo
usado para garantir o equilíbrio econômico do sistema. Em época de crise a
situação só piora.
Estudo realizado
pela ANTP com o Ipea demonstraram há anos que o excesso de automóveis nas
ruas penaliza o sistema de transporte por ônibus, impactando fortemente em seu
custo final. Em resumo: quem anda de carro acaba financiado por quem opta pelo
ônibus. O curioso é que na última década o forte incentivo ao automóvel só fez
piorar esse fenômeno: mais carros nas ruas tornaram os ônibus ainda mais
lentos, e a um custo ainda mais alto; na perda de qualidade muitas pessoas
optaram por migrar para carros e motos, aumentando uma espiral ascendente que
impacta negativamente na questão ambiental, na saúde pública e contribui para a
falência do transporte coletivo.
O sistema de transporte coletivo – seja por trilhos, seja por pneus –
vem sofrendo perdas consideráveis nos anos recentes, ao mesmo tempo em que se
observou um esforço inaudito de sucessivos governos em facilitar não somente a
aquisição de automóveis e motocicletas, como em melhorar e facilitar seu
tráfego, com pesados investimentos em infraestrutura urbana.
O caso de Curitiba é um dentre
muitos exemplos: 18,29% menos passageiros em 2015 do que em 2000. Enquanto
isso, as frotas de carros e motos dispararam na capital paranaense. O que se vê
no país é o pedágio urbano, pena que às avessas...
Não é possível mais continuar a tratar a questão do transporte coletivo
sem a devida seriedade. Assusta em ano de eleições municipais a quantidade de
candidatos ainda muito preocupados em oferecer benesses aos usuários do transporte
individual motorizado, sem entender o que isso significará para o conjunto das
cidades.
Esta é a grande questão: por livre iniciativa os amantes do automóvel
não mudarão seus hábitos, nem arredarão pé de seu modo de se locomover pela
cidade. Nem com argumentos econômicos, menos ainda diante de preocupantes
indicadores ambientais. E teremos não somente o transporte coletivo a cada dia
pior e mais caro, como cidades mais caóticas e com péssima qualidade, não
apenas ambiental, como econômica.
Em algumas importantes gestões municipais que estão findando nota-se,
felizmente, que Plano Diretor e Plano de Mobilidade passaram a caminhar juntos.
O caso de Minas
Gerais, que apresenta um Projeto de Restrição ao Transporte Motorizado
Individual como parte integrante do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado
da Região Metropolitana de BH, é emblemático.
O Projeto de Restrição ao Transporte Motorizado Individual sugere um
leque de medidas que se complementam, e que vão desde a moderação de tráfego
(com redução de velocidade), metas para a redução de acidentes, até o pedágio
urbano em determinadas zonas da cidade, como áreas centrais e centros históricos.
Por fim, e ainda muito importante: o transporte tornou-se um direito
social garantido pela Constituição
Federal. No Seminário Nacional da NTU, que transcorreu esta semana em Brasília,
foi divulgada a pesquisa “Transporte Público como Direito Social – e Agora?”.
Como resultado, 86,1% dos parlamentares e 83% dos demais influenciadores
ouvidos responderam que o Poder Público deve participar do custeio dos
transportes públicos. Mas de que maneira? Como fazê-lo, eis o imbróglio..
Encontrar fontes perenes de financiamento para o sistema de transporte
coletivo, precificar com justiça e ao mesmo tempo desestimular o uso do transporte
individual, e por fim definir uma política responsável de gratuidades é a
trinca de desafios que precisa ser enfrentada e resolvida o quanto antes.
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