05/09/2016 09:00 - Gazeta do Povo
A pressão dos preços dos imóveis nas grandes cidades brasileiras
espraiou seus moradores para regiões periféricas longe dos polos concentradores
de renda e trabalho. A solução para contornar essa dinâmica, dizem
especialistas, passa por um transporte coletivo eficiente. Mas os projetos para
priorizá-lo que ficaram negligenciados durante as duas últimas décadas agora
correm o risco de ficar apenas nas pranchetas de urbanistas por conta da falta
de verbas.
Até 1990, a função de estabelecer a política nacional do Transporte
Urbano era da Empresa Brasileira dos Transportes Urbanos (EBTU) e da Empresa
Brasileira de Planejamento de Transportes (GEIPOT). A decisão do então
presidente Fernando Collor de Melo de extinguir essas estatais acabou deixando
um vácuo na formulação de políticas públicas para o setor até 2003, quando foi
criado o Ministério das Cidades.
Foi somente a partir de 2009, entretanto, que os recursos para
infraestrutura voltada ao transporte coletivo ficaram mais abundantes. Mas a
partir daí os municípios esbarraram em um novo obstáculo: falta de capacidade
técnica para apresentar os projetos.
“Essa descontinuidade explica um pouco sobre a baixa qualidade de parte
dos projetos técnicos apresentados nos últimos anos”, explica Otávio Cunha,
presidente da Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano (NTU). Mas
o problema não é só esse. Faltam recursos também. A gestão do presidente Michel
Temer sustenta que as gestões passadas assumiram compromissos além da
capacidade orçamentária.
Dados compilados pela NTU mostram que de uma lista de 464 projetos de
priorização para ônibus financiados pelos três Programas de Aceleração do Crescimento
(PAC), 235 sequer saíram do papel. “Estamos enfrentando grandes desafios. Em
todas as áreas de mobilidade, somando todos os contratos que foram firmados com
prefeitos e governadores, o volume de contratos assinados prometidos à
sociedade equivale a 71 anos orçamento da área”, afirmou o ministro durante o
Seminário Nacional NTU 2016.
Perspectivas
Nem tudo, porém, pode ser jogado fora. Após quase 20 anos sem grandes
investimentos, o PAC conseguiu colocar em operação 166 projetos de priorização
ao transporte coletivo e outros 62 estão em obras. É sobre esses, inclusive,
que o Ministério das Cidades agora deverá se debruçar.
“Estamos analisando toda a carteira de investimentos em mobilidade
urbana. Serão priorizados empreendimentos em que estados e municípios já
firmaram termo de compromisso com a União e desenvolveram os projetos das
obras. A prioridade é terminar as obras já iniciadas”, disse a pasta em nota,
onde também destacou que a “limitada capacidade institucional dos governos
locais e a complexa legislação brasileira para contratação de obras por parte
do poder público” também são entraves para a retomada desses projetos.
RISCO
Após duas decadas sem investimentos, projetos de priorização ao ônibus
agora correm o risco de ficar sem recursos
*Algumas cidades são
contempladas com com sistemas BRT, Corredores e Faixas Exclusivas
simultâneamente
Investimentos em intervenções que entraram em operação
Em R$
O que breca o Brasil
Veja as causas e os desdobramentos de ações de mobilidade que não foram
concluídas no tempo previsto, estão sendo inauguradas incompletas ou sequer
saíram do papel
MOBI (BRT) São José dos Campos – Disputa política
Era para ser um VLT de 15 quilômetros. Virou um BRT quatro vezes mais
extenso. Pelo mesmo preço: R$ 800 milhões. O novo projeto foi anunciado em
2013. Os concorrentes pré-qualificados seriam conhecidos mês passado, mas o
Tribunal de Contas suspendeu a licitação. Agora, o Ministério Público investiga
supostas irregularidades no projeto após denuncias apresentadas pela oposição
ao prefeito, a mesma que antes queria o VLT. A prefeitura afirma que, além de
mais extenso, o projeto do BRT trará uma tarifa menor à população e que agora
ela está reexaminando o edital para lançá-lo novamente. Não há novo prazo para
conclusão da obra
VLT Cuiabá – Preço super (sub) estimado
Prometido para a Copa do Mundo, essa obra viveu caminho inverso ao de
São José dos Campos. Originalmente, seria um BRT ao custo de cerca de R$ 500
milhões. Mas a escolha foi pelo Veículo Leve Sobre Trilhos, ao preço de R$
1,447 bilhão – R$ 1,066 já foi pago ao consórcio responsável pela obra. Após
denúncias de irregularidades, a obra foi paralisada. Envolvido em denúncias de
fraude fiscal (não necessariamente sobre o VLT), o ex-governador Silval Barbosa
(PMDB) está preso. A nova gestão contratou um estudo para ver quanto gastaria a
mais no projeto e chegou a conclusão que precisa desembolsar R$ 602 milhões.
Como o consórcio quer mais R$ 1,2 bilhão, o caso foi para na Justiça, onde está
tramitando há mais de um ano. Os bondes e sete quilômetros de trilhos já estão
em Cuiabá. Mas não há novo prazo para conclusão do projeto
BRT Palmas – Judicialização da licitação
Com mais de 227 milhões já garantidos, o Bus Rapid Transit de Palmas é
considerado fundamental para o adensamento dos vazios urbanos da capital do
Tocantins. A licitação já teve seu vencedor conhecido, mas uma liminar judicial
obtida pelo Ministério Público Federal em outubro de 2015 paralisou o processo
às vésperas do início da obra. A prefeitura informou que vai apresentar seu
recurso de apelação ao Tribunal Regional Federal comprovando que a cidade
merece os recursos para o projeto. O MPF sustenta que o município teria
superestimado a demanda do projeto. Não há novo prazo para conclusão da obra.
BRT Porto Alegre – falhas técnicas
Também prometido para a Copa, o BRT de Porto Alegre já teve dois lotes
de corredores pavimentados e tem um terceiro com 60% da pavimentação já
concluída. Por eles, já trafegam algumas linhas. Mas não há prazo para que o
BRT, de fato, comece a operar. Isso porque a prefeitura ainda não licitou os
terminais e pontos de parada, o que a impede de estabelecer qualquer
prognóstico. Além disso, a imprensa local publicou notícias de que o piso
implantado (asfalto) está sofrendo com fissuras antes mesmo da chegada dos
biarticulados mais pesados, o que estaria obrigando as construtoras a refazer
as obras implantando concreto nessas vias.
Metrô Curitiba – Falta de dinheiro
Após mais de dez anos de estudo, o metrô de Curitiba chegou próximo de
ser licitado. Mas em agosto de 2014, na antevéspera da abertura dos envelopes
dos concorrentes, o Tribunal de Contas do Estado suspendeu a concorrência para
que a prefeitura refizesse trechos do edital. Os ajustes foram realizados, mas
seis meses depois, com a inflação nas alturas, o município passou a questionar
quem iria arcar com os custos da correção. Orçado em pouco mais de R$ 4,6
bilhões à época, agora o projeto já supera os R$ 5,5 bilhões. A União havia
reservado R$ 2,1 bilhões para a obra e diz que não tem condições de garantir
novos aportes. Sem dinheiro, esse projeto agora corre o risco de ficar
definitivamente para a história.
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