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terça-feira, 6 de setembro de 2016

Equilíbrio e justiça social

25/08/2016 15:30 - ANTP
Não é de hoje que o sistema de transporte coletivo, seja por trilhos ou pneus, sofre com as perdas advindas das gratuidades. Ao mesmo tempo em que se cobram melhorias na qualidade do transporte público (que vem caindo ano após ano), ignora-se as enormes dificuldades que prefeituras e estados têm em manter o equilíbrio do sistema.
Pode-se localizar nas manifestações de junho de 2013 o foco exacerbado que se deu na discussão da questão tarifária. Para quem olha de fora, a relação é comercial: avalia-se a qualidade do produto oferecido em função do preço que por ele se paga. O problema é que, ao contrário do mercado tradicional, no serviço público de transportes existe um fenômeno que não se pode ignorar chamado gratuidade. Daí deriva o subsídio cruzado, quando o preço cobrado de uma classe de consumidores acaba compensado pelo preço mais alto cobrado aos demais. Para se ter ideia do tamanho dessa conta, em dois anos, idosos com passe livre dobraram no metrô de São Paulo - o número que era de 25 milhões em 2013, chegou a 51 milhões no ano passado. Quem paga por eles? O contribuinte? O usuário final, que paga a tarifa toda vez que utiliza o metrô?
No sistema de ônibus, metrô e trens a coisa tem funcionado assim. Não que gratuidades não sejam necessárias; elas são, em sua maioria, mais que justas. O erro está em não garantir a receita necessária e suficiente para que elas possam ser oferecidas de maneira seletiva sem prejudicar os demais usuários do sistema de transporte.
Esta conta não pode ser paga pelos usuários, nem cabe distribuí-la por todos os contribuintes de maneira igual, o que penalizaria os mais pobres. Enquanto isso, a qualidade do sistema acaba prejudicada, isso porque parte do que poderia ser aplicado em manutenção, investimento e expansão, acaba sendo usado para garantir o equilíbrio econômico do sistema. Em época de crise a situação só piora.
Estudo realizado pela ANTP com o Ipea demonstraram há anos que o excesso de automóveis nas ruas penaliza o sistema de transporte por ônibus, impactando fortemente em seu custo final. Em resumo: quem anda de carro acaba financiado por quem opta pelo ônibus. O curioso é que na última década o forte incentivo ao automóvel só fez piorar esse fenômeno: mais carros nas ruas tornaram os ônibus ainda mais lentos, e a um custo ainda mais alto; na perda de qualidade muitas pessoas optaram por migrar para carros e motos, aumentando uma espiral ascendente que impacta negativamente na questão ambiental, na saúde pública e contribui para a falência do transporte coletivo.
O sistema de transporte coletivo – seja por trilhos, seja por pneus – vem sofrendo perdas consideráveis nos anos recentes, ao mesmo tempo em que se observou um esforço inaudito de sucessivos governos em facilitar não somente a aquisição de automóveis e motocicletas, como em melhorar e facilitar seu tráfego, com pesados investimentos em infraestrutura urbana.
caso de Curitiba é um dentre muitos exemplos: 18,29% menos passageiros em 2015 do que em 2000. Enquanto isso, as frotas de carros e motos dispararam na capital paranaense. O que se vê no país é o pedágio urbano, pena que às avessas...
Não é possível mais continuar a tratar a questão do transporte coletivo sem a devida seriedade. Assusta em ano de eleições municipais a quantidade de candidatos ainda muito preocupados em oferecer benesses aos usuários do transporte individual motorizado, sem entender o que isso significará para o conjunto das cidades.
Esta é a grande questão: por livre iniciativa os amantes do automóvel não mudarão seus hábitos, nem arredarão pé de seu modo de se locomover pela cidade. Nem com argumentos econômicos, menos ainda diante de preocupantes indicadores ambientais. E teremos não somente o transporte coletivo a cada dia pior e mais caro, como cidades mais caóticas e com péssima qualidade, não apenas ambiental, como econômica.
Em algumas importantes gestões municipais que estão findando nota-se, felizmente, que Plano Diretor e Plano de Mobilidade passaram a caminhar juntos. O caso de Minas Gerais, que apresenta um Projeto de Restrição ao Transporte Motorizado Individual como parte integrante do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de BH, é emblemático.
O Projeto de Restrição ao Transporte Motorizado Individual sugere um leque de medidas que se complementam, e que vão desde a moderação de tráfego (com redução de velocidade), metas para a redução de acidentes, até o pedágio urbano em determinadas zonas da cidade, como áreas centrais e centros históricos.
Por fim, e ainda muito importante: o transporte tornou-se um direito social garantido pela Constituição Federal. No Seminário Nacional da NTU, que transcorreu esta semana em Brasília, foi divulgada a pesquisa “Transporte Público como Direito Social – e Agora?”. Como resultado, 86,1% dos parlamentares e 83% dos demais influenciadores ouvidos responderam que o Poder Público deve participar do custeio dos transportes públicos. Mas de que maneira? Como fazê-lo, eis o imbróglio..

Encontrar fontes perenes de financiamento para o sistema de transporte coletivo, precificar com justiça e ao mesmo tempo desestimular o uso do transporte individual, e por fim definir uma política responsável de gratuidades é a trinca de desafios que precisa ser enfrentada e resolvida o quanto antes.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

O Predador

ANTP 20/10/2014
Uma pesquisa realizada em Curitiba pela Brain Bureau de Inteligência Corporativa, a pedido do jornal Gazeta do Povo, traz um dado assustador: 24% dos curitibanos "em hipótese alguma" deixariam o carro em casa e optariam por outro modal para se deslocar pela cidade. Justamente Curitiba, cidade considerada modelo quando o assunto é transporte público e inovação.

Tudo bem, essa visão já está sendo questionada, como demonstra matéria do próprio Gazeta do Povo, publicada em abril deste ano com o sugestivo título "Será que Curitiba não é mais aquela?". A matéria discute artigo publicado no portal do jornal francês Le Monde, no fim de março de 2014, que é taxativo ao dizer que o que ora se vê em Curitiba "é o fim de um mito". Na mesma matéria o Gazeta do Povo também conta que, um mês antes do artigo do Le Monde, um grupo de estudantes de pós-graduação da Universidade Mines ParisTech esteve em Curitiba para realizar uma pesquisa. Resultado: "espantaram-se com a violência e com a incapacidade da prefeitura em inovar nas soluções para o transporte público, optando pelo metrô, uma invenção de 150 anos atrás".

A pesquisa contratada pelo jornal de Curitiba, divulgada neste domingo (19), traz números que podem reforçar a tese (e a percepção) de que a cidade teria perdido sua capacidade de inovar, particularmente quando o tema é transporte público. Mas será que tal problema é exclusividade da capital do Paraná? Se há especificidades, estas por si só não respondem à pergunta. O mais óbvio é buscar a resposta nas demais cidades de porte médio e grande do Brasil, que viram crescer de forma assustadora seus problemas de trânsito e, por conseguinte, de mobilidade urbana.

Não é à toa que outras alternativas de locomoção, assim como novas saídas que auxiliam na mobilidade das pessoas, têm sido a tônica em todas as discussões sobre o problema. Problema, é bom ressaltar, que atingiu de forma igual todas as cidades, causando efeitos diferentes, é claro, conforme a situação local. No caso de Curitiba a engenheira Rebeca Pinheiro-Croisel, pesquisadora francesa que esteve na cidade em fevereiro, contextualiza:
"Quando somos pioneiros e, em algum momento, atingimos patamares acima da média, sempre seremos avaliados com expectativas de excelência".

Afinal, quais os fatores que impedem as cidades brasileiras para inovar em busca de soluções para a mobilidade urbana? Uma pista para a resposta está no artigo do filósofo Renato Janine Ribeiro, publicado no caderno Aliás do Estadão. O artigo (Tachinhas e privilégios) usa como mote para uma profunda análise um recente fato ocorrido na capital paulistana: "as tachinhas que alguma alma má jogou nas ciclovias da Rua Artur de Azevedo, em Pinheiros".

Por trás de inocentes (ou maldosas) querelas entre motoristas raivosos pela perda de espaço (e privilégio) e ciclistas "adversários" (alegres pela conquista de um naco de asfalto para pedalar), Renato Janine situa o que de fato interessa discutir: "Está em jogo o que queremos da cidade. Nossas cidades foram sequestradas pelo automóvel. Todo ser racional sabe que esse é um caminho péssimo. Quase tudo que se faça para melhorar a cidade exige enfrentar o carro. (...) O verde tem que vencer o asfalto".

Curioso lembrar uma entrevista do então ministro dos transportes Cloraldino Severo à revista Veja em julho de 1983, portanto há 31 anos. O regime político do Brasil, ainda distante da democracia e às voltas com as sequelas deixadas pela grave crise do petróleo dos anos 70, buscava na diminuição do uso do automóvel e na ênfase ao transporte público uma saída para uma situação que se avizinhava perigosa para a economia brasileira. Nesta entrevista (com o título "O automóvel é predador"), Cloraldino Severo é taxativo ao afirmar que "pouco será possível fazer se o Brasil não entender que, em tempos de austeridade, a hora é do transporte coletivo".  O ministro sabia do que falava. O Brasil não entendeu, e hoje pouco se pode fazer.

Hoje, mais que austeridade, o que se discute é sustentabilidade. Janine em seu artigo observa que "em São Paulo há uma resistência insensata, egoísta, dos que têm carro à limitação de seu uso. Um baile da Ilha Fiscal, uma dança sobre um vulcão". E relembra que mais do que planos para o futuro, precisamos aceitar soluções - como as faixas de ônibus e bicicletas -, "que na Europa é presente faz tempo".

Combinar um presente de atrasos com um futuro ainda distante é o grande desafio das cidades e seus gestores. Mais difícil será, sem dúvida, contar com a compreensão daqueles que vêem em seus carros a única opção aceitável de mobilidade.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Por uma cidade mais humana e integrada

TEDxRio reuniu 22 especialistas e mil espectadores para debater soluções para o Rio de Janeiro
Fatima Freitas 13/08/2014

Propostas para a criação de uma cidade mais humana, mais verde, menos engarrafada e mais integrada deram a tônica ontem da terceira edição do TEDxRio, que reuniu 22 palestrantes no Teatro Municipal e uma platéia de aproximadamente mil pessoas. Com o tema Metrópole, o evento foi dividido em quatro blocos: Inspirações do Amanhã, Metro ID, Estação Desafio e Próxima Parada: o futuro. Em todos eles, cultura, saneamento e educação foram debatidos, mas mobilidade foi o assunto mais em pauta.

- É natural, pois a Mobilidade Urbana é um dos principais problemas enfrentados no Rio de Janeiro - disse um dos organizadores, Marco Andrade Brandão.

CONCENTRAÇÃO DOS EMPREGOS
Mestre em políticas sociais, Clarisse Linke argumentou que a concentração de empregos apenas na Zona Sul e no Centro do Rio é uma das principais causas do problema de deslocamento na cidade.

- Muitas cidades, como Japeri, por exemplo, deveriam deixar de ser, apenas, cidades dormitório. Muitos municípios da região metropolitana precisam assumir o papel de cidade, a ponto de oferecer empregos de qualidade aos seus moradores - argumentou Clarisse, citando como exemplo uma moradora de Japeri que trabalha na Zona Sul e gasta nada menos que seis horas de seu dia dentro do transporte público. - Enquanto isso não acontecer, fica difícil resolver a questão da mobilidade.

O ex-prefeito de Bogotá, capital da Colômbia, que entre 1998 e 2001 aplicou melhorias em espaços públicos na cidade, Enrique Peñalosa defendeu o potencial do Rio de Janeiro para protagonizar uma mudança no sistema de transporte. Segundo ele, que foi um dos responsáveis pela ampliação do uso de bicicletas na capital colombiana, a população não pode achar que engarrafamentos e transportes públicos de má qualidade são coisas naturais.

- Há menos de 90 anos as mulheres não votavam e isso parecia normal. Hoje a mesma coisa acontece com os engarrafamentos - comparou Peñalosa. - Não pode ser natural um ônibus parado no trânsito, pois dentro dele tem dezenas de pessoas. Os ônibus têm que ter muito mais espaço nas ruas do que os carros. Isso é democracia.

Para o arquiteto Luiz Fernando Janot, a visão imediatista normalmente usada para resolver os grandes problemas de uma cidade acaba comprometendo a qualidade de vida de todos. De acordo com o arquiteto, para pensar no futuro de uma metrópole deve-se olhar primeiramente para o futuro da Humanidade.

- Hoje temos 7,2 bilhões de pessoas no mundo. A previsão é de que, em 2050, sejamos 10 bilhões. Ou seja, não teremos só cidades e metrópoles. Teremos megalópolis - constatou Janot. - O planejamento precisa evoluir. Não podemos pensar, em pleno século XXI, da mesma forma que fazíamos no século passado.

Durante os intervalos das palestras, o público participou das exposições, que apresentaram projetos sociais relevantes dos mais diferentes lugares. Puderam também participar da novidade desta edição do TEDx: o Pitching , um espaço para a expressão de idéias pessoais. Dez participantes foram selecionados para falar.

- Foi uma novidade que lançamos para dar voz a anônimos, diante de uma platéia altamente conectada. Outro ponto importante do evento foi a questão da integração, seja entre as forças do governo, modais de transporte e políticas públicas - disse André Bello, um dos organizadores do evento. - Ficamos muito felizes porque o próprio TEDxRio tem como missão a integração das mais diversas esferas da sociedade.

A leveza e a informalidade da palestra sobre arte urbana da historiadora e comunicóloga Renata Saavedra, de apenas 27 anos, divertiram e, ao mesmo tempo, despertaram a curiosidade na platéia. Renata coordenou dezenas de jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas, que percorreram 15 mil quilômetros do território fluminense, numa iniciativa pioneira: construir o Mapa de Cultura do Rio de Janeiro. Ela falou sobre diversos projetos culturais que existem na Baixada Fluminense e que poucos conhecem.

- A arte está inserida no contexto de uma metrópole e a Baixada precisa ganhar seu espaço. Uma cidade como Nova Iguaçu, por exemplo, que tem um milhão de habitantes, não deveria ter apenas três salas de cinema dentro de um shopping - afirmou. - A Baixada precisa ser valorizada. É uma região muito rica. Porém, muitas pessoas acham que Nova York é logo ali, mas Nova Iguaçu é longe demais.

NATUREZA E CIDADES
O último bloco do evento, Próxima Parada: o Futuro, contou com a participação da paisagista Cecília Herzog. Ela, que investiga diferentes cidades do mundo em busca de soluções sustentáveis de alto desempenho, falou sobre o paradigma de planejar e projetar cidades incluindo a natureza.

- As cidades precisam ter uma cultura verde. Muitas cidades do mundo conseguiram essa conexão. A Coréia é um exemplo. Conseguiu permear o país inteiro com essa filosofia, revitalizando córregos, se preparando para as mudanças climáticas - exemplificou Cecília, que foi uma das palestrantes mais aplaudidas do evento.

Todas as palestras foram transmitidas ao vivo pelo site www.tedxrio.com.br e, em breve, estarão disponíveis para o público.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Curitiba vive o esgotamento de um modelo

Autor(es): Por Tom Cardoso | Para o Valor, de São Paulo
Valor Econômico - 24/06/2013

A cidade de Curitiba (PR) virou referência mundial em transporte público, ao adotar, a partir de 1974, na gestão do então prefeito, o arquiteto Jaime Lerner, os chamados BRTs (Bus Rapid Transit), um sistema de canaletas para ônibus com a eficiência e rapidez do metrô, com custos e necessidades logísticas muito menores. Cidades como Rio de Janeiro, Istambul, Bogotá, Seul e Cidade do México adotaram, com sucesso, o modelo criado por Lerner. Atualmente, 156 cidades utilizam o sistema, mas, por ironia, a capital paranaense assiste, nos últimos anos, aos primeiros sinais de esgotamento do modelo.

O aumento da lentidão e a superlotação dos coletivos resultaram na queda no volume de usuários dos ônibus e sua consequente migração para o uso do automóvel (hoje, a cidade registra um carro para cada 1,4 habitante). O sistema não conseguiu absorver a escalada do crescimento urbano - Curitiba conta atualmente com cerca de três milhões de habitantes na região metropolitana. O número de passageiros pagantes, porém - cerca de 320 milhões por ano, segundo dados da Empresa de Urbanização de Curitiba, que gerencia o serviço -, é praticamente o mesmo de dez anos atrás.

Estagnação que fez com autoridades locais, com o apoio da maioria da população, se mobilizassem para buscar recursos com o governo federal para a construção do primeiro trecho do metrô, de 14,2 quilômetros, que prevê linhas subterrâneas e elevadas para trens no mesmo trajeto por onde circulam os BRTs - a inauguração está prevista para 2016.

A medida divide os urbanistas. Para alguns, o BRT só se mostra eficiente em cidades de médio porte, como era a própria Curitiba em meados dos anos 70, e usam como exemplo sua recente implantação na cidade do Rio de Janeiro, que vai melhorar o transporte para quem usa ônibus nos corredores, mas não a acessibilidade nos entornos, onde se concentra a maior parte dos passageiros.

Os que defendem o BRT, citam os casos de cidades como Seul e Bogotá, onde o veículo foi implantado com sucesso e até hoje não deu sinais de esgotamento. "O sistema do BRT é bom, a forma atual de gerenciá-lo é que não é", afirma Jaime Lerner, afastado da vida pública desde 2003 e hoje à frente do instituto que leva o seu nome e da Jaime Lerner Arquitetos.

Segundo Lerner, quando o modelo começou a apresentar problemas, não se procurou investir mais na modernização do BRT e sim adequar a cidade à realidade dos carros.

Para Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral, a descontinuidade administrativa, que impediu que houvesse uma mudança periódica no modelo do BRT, foi a grande responsável pela capital paranaense perder a vanguarda. "Curitiba cada vez mais se aproxima de um passado bonito e um futuro caótico."

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Pacto para ressuscitar uma cidade.

Otávio Cabral
Veja - 08/04/2013

O maior projeto de recuperação urbana do Brasil vai criar dezessete novos bairros em São Paulo e transformar regiões degradadas da cidade em áreas residenciais até 2018.

Até o início da década de 70, praticamente metade do produto interno bruto da cidade de São Paulo vinha da indústria. Grandes galpões ocupavam bairros como Brás, Barra Funda, Mooca e Belenzinho e eram exemplos da pujança fabril paulistana. Nas décadas seguintes, o crescimento da população, a dificuldade de escoamento da produção em uma capital com o trânsito caótico e os incentivos fiscais de outras regiões tiraram essas fábricas de São Paulo. A metrópole encontrou outra vocação — hoje, o setor de serviços responde por 65% do PIB. Os galpões foram abandonados.

Casarões que simbolizavam o status dos barões da indústria se transformaram em cortiços. As áreas anteriormente prósperas se tornaram um retrato da degradação urbana. Nas últimas três décadas iniciativas isoladas tentaram sem sucesso recuperar a região central da cidade. Na semana passada, buscando reverter de vez a situação, o governo do estado deixou de lado as disputas políticas e fechou uma parceria com a União, a prefeitura e a iniciativa privada para lançar o maior programa de recuperação urbana do Brasil.
 

O Casa Paulista prevê a construção de 20 000 moradias nos próximos quatro anos, ao custo de 4,6 bilhões de reais. É a primeira parceria público-privada do país para habitação. "O objetivo não é apenas construir moradias populares nos moldes do antigo BNH ou do Minha Casa, Minha Vida, mas ressuscitar uma região essencial da cidade que está abandonada", afirma o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Para isso, o projeto inclui a restauração de construções históricas e a substituição de velhos galpões por prédios — 20% dos quais, pelo menos, serão destinados a comércio e serviços, de modo a aumentar a possibilidade de as pessoas trabalharem e fazerem compras peno de casa. Entre os prédios, serão construídos bulevares e áreas para esporte interligados por ciclovias.

No início do ano passado, o governo estadual lançou um edital convocando empresas interessadas em propor modelos de habitação para a região central de São Paulo. O concurso foi vencido pelo Instituto de Urbanismo e de Estudos para a Metrópole (Urbem) — uma organização que atua na recuperação urbanística. O Urbem contratou 73 pessoas, entre arquitetos, economistas, sociólogos e advogados, para fazer um diagnóstico dos problemas do centro e apontar soluções. Ao custo de 30 milhões de reais, produziu doze volumes, de 300 páginas cada um, com detalhes da situação fundiária, jurídica e arquitetônica da região. O projeto prevê a construção de dezessete bairros em forma de círculo, com raio de 600 metros, tendo sempre uma estação de trem ou de metrô como centro. "Percebemos que havia uma falha dupla. O mercado vê a habitação apenas como uma oportunidade de negócios, e cria guetos de bem-estar. E o governo não estabelece regras para permitir uma ocupação condizente com as mudanças da cidade", avalia Philip Yang, fundador do Urbem. "Mostramos que é possível ter lucro com habitação popular, mas deixando um legado para a cidade e para a vida da população."

Na campanha para prefeito, Yang levou o projeto aos candidatos Fernando Haddad (PT) e José Serra (PSDB). Logo após ser eleito, Haddad se reuniu com Yang e Alckmin para se comprometer a apoiar a iniciativa. Quanto mais complexo o projeto, mais ele depende
de parcerias como essa para sair do papel. No caso do Casa Paulista, a responsabilidade pela habitação é do estado, mas o trânsito, a legislação e boa pane dos terrenos são do município. Sem a união dos três níveis de poder — o principal financiador é federal, a Caixa Econômica Federal —, as questões burocráticas têm grande chance de levar a melhor. A ideia é destinar 12 000 das 20 000 moradias a famílias com renda de até cinco salários mínimos paulistas — 3 700 reais. "Esse projeto, além de ter uma função social, é uma iniciativa para estimular o desenvolvimento econômico de uma região essencial da cidade", avalia Fernando de Mello Franco, secretário municipal de Desenvolvimento Urbano. O edital para a contratação das construtoras que tocarão o projeto será divulgado em maio.
O objetivo é que os contratos sejam assinados até outubro, e as primeiras unidades, entregues em janeiro de 2015. Até 2018, toda a reurbanização deverá estar concluída.

Muitos ainda se lembram da "São Paulo Tower", cujo projeto delirante o empresário Mário Gamero divulgou em 1999, e que deveria ficar pronto em 2005. Era para ser o maior edifício do mundo — e, claro, nunca saiu do papel. Por essas e outras, os paulistanos desconfiam da viabilidade de projetos ambiciosos para a cidade. Desta vez, porém, a racionalidade do projeto, a inédita união de forças e a supressão, ainda que momentânea, das rivalidades políticas em prol de uma boa ideia são motivo de esperança.

terça-feira, 26 de março de 2013

Centros urbanos e o não transporte

 O princípio do "não transporte", além de propor o uso racional do solo urbano, visa combater a degradação das cidades e das relações sociais em função da priorização e do uso indiscriminado do transporte motorizado. No Brasil, organizações como a ANTP, alguns acadêmicos e formuladores de políticas são defensores deste princípio. Ademais, a sanção da Lei 10.048/2000 e do decreto 5.296/2004 constituem importantes avanços do marco legal da mobilidade urbana ao abordarem a questão da acessibilidade universal, incluindo a perspectiva das pessoas com dificuldades de locomoção e dos pedestres, valorizando modos não motorizados de mobilidade.
O uso indiscriminado do transporte motorizado individual gera graves impactos ambientais (poluições diversas, distorção na adaptação do uso do solo ao modo de transporte e não ao ser humano transportado), econômicos (deseconomias ligadas ao trânsito e aos congestionamentos) e sociais (individualismo, estresse, violência no trânsito, etc).
Nesse sentido, o "não transporte" não se restringe a uma bandeira de luta pela redução e racionalização do uso dos meios de transporte motorizados, mas, sobretudo, constitui tese ligada ao esforço de se refundar a ideia de cidade, reforçar sua escala humana na ótica do pedestre, dos deslocamentos possíveis de serem realizados por meio de caminhadas e das interações humanas no cotidiano.
Nos anos recentes, houve um aumento significativo do número de automóveis particulares que, em 10 anos passou de 24 milhões para 56 milhões de veículos (Denatran). Isso é resultado, dentre outros fatores, do aquecimento da economia, do aumento da taxa de empregos, do acesso ao crédito, de incentivos fiscais ao setor automobilístico, da precarização do transporte público, do crescente medo da violência urbana e de investimentos públicos prioritários no sistema viário.
A conjunção desses fatores reforça o colapso vivenciado nos sistemas de transporte e, por conseguinte, das próprias condições de habitabilidade das cidades brasileiras, situação demonstrada, pela pesquisa sobre as deseconomias do transporte urbano, realizada pelo Ipea, em parceria com a ANTP.
Pouco se diz, entretanto, dos custos relativos a cada modo de deslocamento e seus impactos na configuração das cidades, na organização do espaço, nas possibilidades ou restrições das interações sociais, na segregação socioespacial ou na fragmentação do território. Qual a efetiva repercussão da opção pelo transporte motorizado individual no território das cidades e em seu cotidiano? O percentual de área destinado ao sistema viário pode ser um exemplo de como se prioriza o meio de transporte e não seu usuário. Em São Paulo, esse valor pode ultrapassar os 40%.
As cidades têm nas centralidades urbanas o seu lócus privilegiado da mobilidade e do contato humano. Devido ao uso misto, que diferencia as áreas centrais dos bairros funcionais em seu entorno, bem como em decorrência de aspectos históricos e de identidade, os centros de cidades reúnem fluxos de diversas ordens, pessoas de todos os cantos da cidade, com diversas rendas etc.
Ao modelo de ocupação de áreas periféricas, condomínios fechados, loteamento irregulares, todos possibilitados pelo automóvel, soma-se o abandono das centralidades e de seus padrões de consumo e sociabilização ligados à lógica do espaço público, da rua, das calçadas, do pedestre.
Nesse contexto, o "não transporte" deve ser entendido também como política que busca o cumprimento da função social da propriedade e da cidade, especificamente o uso de imóveis vazios em áreas centrais. Segundo dados do Ministério das Cidades, no ano de 2007 existiam no Brasil 7 milhões de domicílios vagos em condições de uso, sendo 1,8 milhão localizados em áreas metropolitanas, números similares ao déficit habitacional total e ao déficit metropolitano. Na média 10% dos domicílios metropolitanos estão vazios, número que pode ultrapassar os 30% no centro do Rio de Janeiro e Recife.
A tese do "não transporte" colabora para repensar, portanto, o padrão de ocupação e aproveitamento do solo urbano. Segundo estudo de Luiz Kohara (USP), 50% dos moradores de cortiços no centro de São Paulo vão ao trabalho a pé. Do total de trabalhadores moradores de cortiços, 80% gastam menos de 30 minutos no deslocamento, não importando o modo utilizado. A moradia em cortiços constitui estratégia individual de sobrevivência e expressa a lógica de proximidade subjacente ao "não-transporte".
Ainda que políticas públicas em transporte e trânsito sejam essenciais, a adoção exclusiva desse tipo de medida não consegue ser suficiente para promover um padrão de mobilidade mais justo e eficiente. Torna-se necessário conjugar esforços, repensar o padrão de ocupação e aproveitamento do solo urbano por meio de incentivos fiscais e restrições urbanas que viabilizem e tornem rentáveis a reabilitação e destinação de imóveis vazios, que otimize o uso das infraestruturas já existentes e promova o adensamento, repovoando os centros e destinando a cidade para todos.

Renato Balbim foi coordenador do Programa de Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais do Ministério das Cidades (2005 a 2009) e atualmente é técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea
Rafael Pereira é técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea
Artigo originalmente publicado na Revista Desafios do Desenvolvimento, Publicação do Ipea, nº 10, 2013

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Sobre a “cidade” e “sustentabilidade”

Valeska Peres Pinto | Coordenadora Técnica da ANTP
A Rio+20, Conferencia da ONU realizada em junho deste ano no Rio de Janeiro, colocou de vez a expressão “sustentabilidade” no vocabulário das instituições, empresas e midia. Com a expressão vieram os fundamentos que fazem referência a três pilares – econômico, social e ambiental. Se faltar um deles, a “sustentabilidade” fica comprometida.

Durante a Rio+20, Governos, Empresas e Sociedade Civil debateram, cada um a seu modo, a extensa pauta da “sustentabilidade”. Os primeiros, representado na Conferencia Oficial dos Chefes de Estado, revelaram nos seus discursos as dificuldades de se combinar as expectativas nacionais com a construção de políticas globais, o que ficou consagrado na Declaração final, que reafirmou compromissos anteriores e propôs algumas medidas, ainda tímidas, de fortalecimento do PNUMA – Programa das Nações Unidas de Meio Ambiente.

As Empresas e Associações vinculadas à iniciativa privada, distribuídas em centenas de eventos na cidade aproveitaram para promover suas ações sustentáveis. À economia verde se somou a economia azul, embora na maior parte dos casos as atividades ainda prosperem na economia marrom. Finalmente, as entidades da sociedade civil, reunidas na Cúpula dos Povos, reiteraram seus compromissos de luta por Justiça Social e Ambiental, denunciando as soluções apresentadas pelos governos e empresas que, segundo elas desconhecem os direitos essenciais de mulheres, indígenas, negros, juventudes, trabalhadores e comunidades tradicionais.

Passados alguns meses do evento, restam as avaliações quanto às lacunas e aos legados deixados pelo evento. Na lista das primeiras, destaca-se a pouca importância acordada as cidades. O espaço urbano ainda não é entendido como produto do trabalho humano, que extrapola a mera soma de casas, ruas, redes de água, comércios. Na falta de uma visão da cidade como organismo e meio ambiente próprio, fica difícil falar em “desenvolvimento sustentável” ou “cidade sustentavel”. Para cada ator presente a sustentabilidade começa e termina nas fronteiras de suas atividades e interesses.

Esta lacuna afeta diretamente a discussão da mobilidade urbana. Transporte público, trânsito urbano, acessibilidade, circulação de pedestre, circulação de mercadorias - são tratados como fenômenos separados, desintegrados, autônomos. Daí ser difícil uma ação combinada que possibilite um ganho excedente da combinação de todos os esforços setoriais e individuais. O tratamento ainda marginal dado as cidades pode ser uma consequência do fato da urbanização ser um fenômeno ainda recente no mundo. Somente agora a maioria da população do planeta vive em cidades. Porém, para a América Latina, que já ostenta 75% da sua população nesta condição, os desafios da urbanização são presentes.

Explicações à parte, cumpre destacar alguns legados do evento, entre eles as expectativas geradas no encontro do C40 – Grupo de Grandes Cidades Lideres para o Clima, constituído pelos prefeitos das 40 maiores cidades do mundo. No encontro os prefeitos se comprometeram com a meta de redução pela metade da emissão de carbono até 2030, quando as previsões apontam para que o Brasil terá mais de 90% da sua população vivendo em cidades. Para atingir esta meta o C40 aponta como prioridade o investimento na melhoria das redes de transporte público – trens, metrôs, ônibus e outras alternativas de transporte coletivo - e na melhoria dos combustíveis, com a utilização da eletricidade, biodiesel e etanol.

Outro legado importante é o reconhecimento por uma parcela significativa de participantes, de que o sucesso das políticas e programas globais depende muito dos resultados das iniciativas locais. Neste sentido é importante reconhecer que são muitas as ações em curso no país, que revelam compromissos crescentes dos atores envolvidos na mobilidade urbana com a pauta da sustentabilidade. Um exemplo disto é a realização do 2º Seminário de Tecnologia Sustentável, que a FETRANSPOR esta promovendo no dia 4 de outubro, na cidade do Rio de Janeiro.

O Seminário reedita o encontro realizado há dois anos envolvendo centenas de profissionais do setor de transporte público e de meio ambiente, para discutir temas ligado à matriz energética e tecnologia do transporte público por ônibus no Brasil. Naquela ocasião foram apresentadas diversas opções tecnológicas existentes no mercado nacional, em termos de motores e veículos e de combustíveis alternativos. Após aquela primeira discussão a FETRANSPOR e a COPPE/UFRJ iniciaram estudos aprofundados para análise técnica comparativa entre todas as opções levantadas, em termos de emissões, custos operacionais e viabilidade econômico-financeira. O estudo concluído em agosto deste ano será apresentado e debatido neste 2º Seminário, que pretende avançar na formulação de políticas nacionais e locais que dêem suporte a aplicação de tecnologias mais sustentáveis no transporte público no Brasil.

Estas e outras iniciativas terão sempre o apoio da ANTP, pois estamos convencidos de que a parcela decisiva do jogo da sustentabilidade ocorrerá nas cidades.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Procuram-se candidatos para sair do caos urbano

Os governantes habituaram-se a tratar de maneira isolada as peças que compõem o complexo mapa da movimentação de pessoas em uma cidade. Por isso, quase sempre criaram-se estruturas separadas para cuidar de trânsito, transporte coletivo, infraestrutura viária ou manutenção de calçadas. O conceito de mobilidade, que organiza todas as formas de deslocamento urbano, parece novidade. Mas a lei federal que obriga municípios com mais de 500 mil habitantes a inserir nos planos diretores programas de transporte urbano integrado é de julho de 2001.

A onda de promessas para melhorar a locomoção diária transformou-se numa das principais bandeiras nas próximas eleições municipais. Mas apesar dos discursos inovadores, são poucos os indícios de avanço nos próximos quatro anos nos programas de governo até agora apresentados, A expectativa é que apenas os moradores de cidades-sedes da Copa do Mundo, em especial o Rio de Janeiro, comprometida também com a Olimpíada, sejam beneficiados.

A reorientação do modelo de urbanização e circulação municipal começou há mais de uma década, no governo de Fernando Henrique Cardoso. A obrigatoriedade de as cidades com mais de 500 mil habitantes inserirem um plano de transporte urbano no plano diretor surgiu no Estatuto das Cidades e foi regulamentado na lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001.

Mais tarde, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006, o Ministério das Cidades criou a Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana. Foi, então, elaborado o plano de mobilidade urbana, um documento de 140 páginas, para orientar os prefeitos a absorver o novo conceito. Cerca de 80% da população brasileira vive em áreas urbanas e sofre diretamente com o problema.

Apesar de a lei federal obrigar apenas os maiores municípios a inserir a mobilidade nos planos diretores, o documento considerou a nova diretriz como "fundamental" para cidades com mais de 100 mil habitantes e "importantíssimo" para todos os municípios brasileiros". Segundo o parecer da secretaria, nas cidades com mais de 100 mil habitantes, que, juntas, agregam mais da metade da população do país, "ainda é possível reorientar os modelos de urbanização e de circulação de maneira preventiva".

Há pouco mais de um mês, o governo federal anunciou a liberação de R$ 7 bilhões em financiamento para mobilidade para 75 cidades de médio porte. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) levará a municípios com 250 mil a 700 mil habitantes obras como o veículo leve sobre trilhos e corredores de ônibus.

O presidente da Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP), Ailton Brasiliense, sugere que a liberação de recursos seja gradual, condicionada ao andamento das obras. "Caso contrário, as coisas não vão mudar porque construir viaduto ainda é visto como a uma forma de ganhar votos", destaca.

A reorganização do deslocamento urbano evidencia a necessidade de rever políticas que até agora privilegiaram o transporte individual. "A cidade não pode ser pensada como se um dia todas as pessoas fossem ter um automóvel", destaca o plano do Ministério das Cidades.

Segundo pesquisa do Sindicato da Indústria de Componentes Automotivos (Sindipeças), nos últimos cinco anos a frota brasileira cresceu 43,7%, para 34,8 milhões de veículos. São 10,6 milhões a mais do que havia em 2006, segundo ano da gestão que antecedeu os atuais prefeitos. O volume adicional corresponde à atual frota da Argentina.

O formato que as cidades brasileiras adquiriu ao longo dos anos começou quando a indústria automobilística instalou-se no país na década de 1950. Mas, se no passado o automóvel, um meio rápido de vencer distâncias, ajudou a estabelecer relações entre as regiões e espalhar a atividade econômica, hoje é justamente ele que trava o mesmo processo.

Brasiliense, da ANTP, propõe usar como referência "a São Paulo de 1900". Naquela época, moradia, trabalho e serviços públicos se concentravam no entorno de onde circulava o transporte - ferrovias e bondes. "São Paulo já foi planejada", diz. Para ele, mesmo já construídas, as cidades podem ser melhor ocupadas, em vazios urbanos, encontrados, por exemplo, no entorno das ferrovias. Isso diminuiria a necessidade de viagens motorizadas. Nesse cenário, o carro serviria para viagens e o transporte público, no deslocamento diário.

A necessidade de mudar conceitos passou a ser uma discussão mundial. "Não temos espaço, nem tempo e nem dinheiro para desenvolver modos de transporte e infraestruturas concorrentes", afirma Ulrich Homburg, diretor do grupo Deutsche Bahn (DB), que domina o transporte ferroviário na Alemanha.

A mudança de paradigma exige, no entanto, que os futuros prefeitos percebam que programas dessa natureza não se esgotam em um único mandato. O Ministério das Cidades estima de 10 a 20 anos o tempo de construção da mobilidade funcional. Mas não restam mais alternativas. Como Homburg diz, "o colapso na mobilidade traz o colapso do sistema econômico e social". "Seria como abandonar uma sociedade, deixar que ela deixasse de funcionar".

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Estações como pólos de desenvolvimento

Este trabalho foi apresentado pelos autores na 18a Semana de Tecnologia Metroferroviária da AEAMESP.
Resumo:
O trabalho apresenta um procedimento de avaliação das estações metroferroviárias como pólos promotores de desenvolvimento socioeconômico. Apresenta também um estudo de caso com as estações do metrô de Belo Horizonte da Companhia Brasileira de Trens Urbanos – CBTU.
Relevância:
O conhecimento, com base na centralidade, da vocação e potencial de cada estação em fomentar determinadas atividades, dá suporte para se alcançar a integração entre transporte e uso do solo, contribuindo para a criação de um ambiente auto-sustentável.
Descrição:
Para que uma cidade possa existir e realizar suas funções econômico-sociais, ela tem que estar estruturada com base em seu sistema viário e de transporte.
O sistema de transporte de uma cidade, por sua vez, compreende a coordenação de todos os modos e infra-estruturas de transporte à disposição da sociedade, estando aí incluídos os modos motorizados e não motorizados. Sendo assim, um sistema de transporte bem estruturado é aquele que está organizado de forma a atender as necessidades de deslocamento da sociedade pelo menor custo generalizado e ser ao mesmo tempo sustentável.
Nesta perspectiva, um sistema de transporte bem estruturado induz o desenvolvimento socioeconômico da região onde está inserido, na medida em que possibilita maiores fluxos de pessoas e mercadorias.
Assim, torna-se relevante coordenar o planejamento da infra-estrutura de transporte e do uso do solo com uma concepção que promova, além da integração entre modos de transporte, o desenvolvimento socioeconômico da região, de modo a se criar condições de sustentabilidade do sistema. Tal articulação é fundamental porque a disponibilidade de serviços de transporte influencia o processo e os padrões de expansão das áreas urbanas e define (ou reorienta) o uso do solo e sua ocupação. Planejamento urbano e planejamento de transporte têm que caminhar juntos.

No final do século XX, surgiram novas tendências no sentido de favorecer a organização do espaço urbano com base no seu sistema de transporte público e empreendimentos a ele associados, que vêm sendo chamados de TOD – Transit Oriented Development. Neste modelo se reforça as atenções na implantação ou revitalização de empreendimentos na área de influência do sistema de transporte público existente ou que se encontra em implantação.
No que concerne ao transporte público e particularmente ao transporte sobre trilhos, o local considerado ideal para as intervenções é o entorno das estações, onde se busca também dotar a área de outros requisitos que impliquem na diminuição das viagens por transporte individual de seus habitantes para outros pontos da cidade.
As estações metroferroviárias inseridas no espaço geográfico têm uma tendência natural de exercer um papel importante na relação do sistema de transporte com o ambiente urbano, e podem contribuir na implantação de projetos, uma vez que são focos de integração modal e canal de comunicação entre as duas regiões separadas pela via férrea. Por outro lado, a concentração de atividades socioeconômicas no seu entorno, tende a criar um tipo de uso do solo com características compactas. Esses aspectos fazem com que as estações se tornem candidatas a pólos de articulação do transporte com o desenvolvimento socioeconômico e elemento importante na estruturação e organização do espaço metropolitano.
As centralidades urbanas (concentração de bens e serviços) são identificadas a partir da demanda de transportes. No entanto, uma questão relevante diz respeito à distribuição dos equipamentos urbanos na estrutura urbana associada. Um corredor metroferroviário, por exemplo, corta o espaço urbano linearmente e tem a tendência de distribuir os equipamentos urbanos no entorno da linha e da estação, formando uma rede de comunicações com as características dos indicadores apresentados a seguir.
1. Cálculo das Centralidades
As ligações da rede de estações de um sistema metroferroviário se configuram como uma rede de comunicação. Nesse contexto, um ator é central em uma rede, quando pode comunicar-se diretamente com muitos outros, ou está próximo de muitos atores ou, ainda, quando há muitos atores que o utilizam como intermediário em suas comunicações.
Uma rede de comunicação pode ser representada formalmente através de um grafo. Portanto, com base na Teoria dos Grafos, pode-se utilizar uma técnica de avaliação das estações metroferroviárias, onde a centralidade é um atributo dos elementos representados pelos vértices e sua medida está associada à importância, ao prestígio e à influência de atuação de cada elemento.
Um grafo G = (V, A) é uma estrutura matemática definida por um conjunto V, discreto e finito, cujos elementos v são chamados de vértices ou nós, e por um conjunto A de ligações ou relações de adjacências, designadas arestas, que são pares de elementos (v, w) de V, que guardam alguma relação entre si. A forma como um vértice se relaciona com os demais identifica a sua centralidade, ou seja, o seu poder dentro da rede. Como se verá a seguir, diversos indicadores são utilizados para caracterizar a centralidade de cada vértice.
1.1 Indicadores de centralidade e medidas associadas
Uma medida de centralidade na qual as unidades de centralidade são adicionadas entre os elementos conectados, isto é, à centralidade de um elemento são adicionadas as centralidades daqueles que com ele estão conectados, sendo o cálculo do status ou soma das distâncias entre v e todos os outros vértices de acordo com a expressão:

Onde: dij é a distância (física, temporal ou número de caminhos) entre o vértice i e o vértice j.
Para esclarecer conceitualmente o modelo de centralidade aplicado a uma rede de comunicação social, deve-se distinguir ainda as seguintes centralidades:
a)    Centralidade de informação.
Tem como base a idéia de que o número de relações diretas que um elemento estabelece com os outros (dado pelo grau do vértice correspondente) é um aspecto importante de sua posição estrutural e está associado ao número de interações ou conexões de um elemento em uma rede. A sua importância (posição na rede) está associada ao número de elementos interagindo com ele. Se esse número for elevado aumentam as chances de satisfação de necessidades, diminui a relação de dependência em relação aos outros e aumenta o acesso aos recursos disponíveis na rede. Em uma rede de informações ou de difusão de uma infecção, a centralidade de informação traduz a capacidade de receber uma informação ou de ser infectado (o que indica um eventual aspecto negativo). Na matriz de adjacência do grafo associado à rede, a centralidade de informação pode ser obtida adicionando-se os valores relacionados nas linhas ou nas colunas.
b)    Centralidade de proximidade.
Está associada à rapidez de acesso de um elemento em relação aos outros na rede. O elemento com maior centralidade de proximidade é aquele que se comunica com maior rapidez com todos os outros. Ele é tão mais central quanto menor for o caminho que ele precisa percorrer para alcançar os outros elos da rede. No grafo associado à rede, a centralidade de proximidade corresponde ao inverso da soma das distâncias do vértice em questão aos demais, ou seja, dos valores relacionados nas linhas/colunas da matriz de distância.
Em um processo de difusão, a centralidade de proximidade traduz a rapidez com que uma informação chega a um elemento ou a rapidez com que será infectado.
c)    Centralidade de intermediação.
Informa a dependência relativa de um elemento em relação aos demais, ou seja, tem como base a idéia de que a dependência relativa a um elemento é um aspecto importante de sua posição estrutural e está associada ao número de vezes que um elemento participa quando é estabelecida uma interação pelos menores caminhos na rede. O elemento com maior centralidade de intermediação é aquele que participa mais ativamente num processo de interação, no qual se percorre os caminhos mais curtos.
No grafo associado à rede, a centralidade de intermediação diz respeito ao número gij(v) de caminhos geodésicos entre i e j que passam por um vértice v, relacionado ao número total gij desses caminhos. Em um processo de difusão, um vértice que tenha a maior centralidade de intermediação pode controlar ou facilitar o fluxo de informação, atuando como uma ponte ou servindo de elo entre regiões isoladas na rede.
d)    Centralidade de autovetor.
Tem como base a idéia de que um elemento é mais central se estabelece relações com elementos que também estão numa posição central, o que é um aspecto importante de sua posição estrutural. A centralidade de um elemento é uma combinação linear das centralidades dos elementos com ele conectados. Em uma rede de comunicação, aquele elemento que recebe informações de elementos que são fontes de informação tem uma posição privilegiada.
Seja R = [rij] uma matriz de relacionamento, não necessariamente simétrica e com diagonal principal nula. Então:
2. Estudo de caso: Metrô de Belo Horizonte.
a)    Centralidade de Informação (calculada a partir das Matrizes O/D ferroviárias de 2006 e 2009))


Pelo gráfico apresentando os cálculos da centralidade no ano de 2009, observa-se que as estações com maior centralidades de informação foram: Eldorado, Lagoinha, Central, São Gabriel e Vilarinho. Tirando as duas estações centrais (Lagoinha e Central), as demais retratam a influência da existência de terminais de integração com o sistema ônibus exercem sobre a centralidade. Estas centralidades demonstram a capacidade que estas estações têm de transferir e receber passageiros.
Ao se comparar com o gráfico de 2006, verifica-se uma mudança significativa na centralidade das estações num curto espaço de tempo, com a consolidação do trecho entre Minas Shopping e Vilarinho e o aumento das integrações em determinadas estações. No entanto, observa-se que houve uma maior concentração das centralidades nos pontos terminais, o que até certo ponto indica uma sub-utilização das demais estações no contexto da irradiação do desenvolvimento e aumento do movimento pendular.
b)    Centralidade de Autovetor (calculada a partir das Matrizes O/D ferroviárias)
Possuem maior centralidade nesse indicador, ou seja, as estações que estabelecem mais relações com as outras: Eldorado, Central, São Gabriel e Vilarinho. A seguir aparecem: Calafate, Lagoinha e José Cândido.
c)    Centralidade de Proximidade (calculada com base nas distâncias entre as estações)

A centralidade de proximidade apresenta uma curva bem próxima de uma curva normal. Tomando a variância para os valores de centralidade foi obtido um valor igual a 0,01%, um valor bastante pequeno, o que indica que as distâncias entre as estações são, em média, quase as mesmas. As estações localizadas mais no centro da linha apresentam maior centralidade: Central, Santa Efigênia, Santa Tereza, Horto e Santa Inês.
     d) Centralidade de Intermediação (calculada a partir dos caminhos geodésicos entre estações)
Como no indicador anterior, apresentam maiores centralidades de intermediação, as estações localizadas mais no centro da linha: Central, Santa Efigênia, Santa Tereza,Horto e Santa Inês
3. Conclusões
Estação
Centralidade
Informação
Autovetor
Proximidade
Intermediação
1
Eldorado
14%
11%
3%
0%
2
Cidade Industrial
2%
2%
4%
2%
3
Vila Oeste
3%
4%
4%
3%
4
Gameleira
4%
5%
5%
5%
5
Calafate
5%
7%
5%
6%
6
Carlos Prates
3%
4%
6%
7%
7
Lagoinha
7%
6%
6%
7%
8
Central
10%
8%
6%
8%
9
Sta. Efigênia
4%
5%
7%
8%
10
Sta. Tereza
4%
5%
7%
8%
11
Horto
1%
2%
7%
8%
12
Sta. Inês
4%
5%
6%
8%
13
José Cândido
5%
6%
6%
7%
14
Minas Shopping
2%
3%
6%
8%
15
São Gabriel
11%
10%
5%
6%
16
1° de Maio
1%
1%
5%
5%
17
Waldomiro Lobo
3%
3%
5%
3%
18
Floramar
3%
3%
4%
2%
19
Vilarinho
11%
10%
4%
0%

Pela análise geral, pode-se dizer que a estação mais expressiva em graus de centralidade é a Central, pois sua presença é bastante significativa em todos os indicadores calculados, mesmo naqueles em que ela não se destaca entre as quatro maiores, esteve presente entre os 6 primeiros. A seguir, pelo mesmo motivo, aparece a estação Lagoinha.
A subutilização de muitas estações ferroviárias demonstra na realidade a subutilização da infraestrutura ferroviária existente. Isto é um enorme desperdício de recursos ao se considerar que, próximo à linha do trem, aparecem corredores rodoviários congestionados, com elevados índices de acidentes e as conseqüentes deseconomias associadas a esses fenômenos. Um modelo excessivamente rodoviário potencializa a dispersão das atividades e da mancha urbana, dificultando as soluções relacionadas com a mobilidade da população.
Por outro lado, este tipo de estudo no âmbito da estação ferroviária é um importante auxiliar no planejamento das integrações.

AUTORES
Fernando de S. Bittencourt: Gerente Técnico da Gerência de Planejamento e Estudos de Transporte da CBTU. Economista com cursos de extensão em Financiamento de Projetos de Transporte (FGV-RJ), Avaliação Socioeconômica de Projetos de Trens Urbanos – CEPAL (ONU) / SPI (Ministério de Planejamento) e Transporte e Desenvolvimento Urbano – PET – COPPE/UFRJ.
Marina dos Santos Nascimento: estagiária de estatística da CBTU. Cursando o 6º período da ENCE – Escola Nacional de Ciências Estatísticas (IBGE).
Lilian de Sousa Pires: estagiária de estatística da CBTU. Cursando o 6º período da ENCE – Escola Nacional de Ciências Estatísticas (IBGE).