terça-feira, 6 de setembro de 2016

Equilíbrio e justiça social

25/08/2016 15:30 - ANTP
Não é de hoje que o sistema de transporte coletivo, seja por trilhos ou pneus, sofre com as perdas advindas das gratuidades. Ao mesmo tempo em que se cobram melhorias na qualidade do transporte público (que vem caindo ano após ano), ignora-se as enormes dificuldades que prefeituras e estados têm em manter o equilíbrio do sistema.
Pode-se localizar nas manifestações de junho de 2013 o foco exacerbado que se deu na discussão da questão tarifária. Para quem olha de fora, a relação é comercial: avalia-se a qualidade do produto oferecido em função do preço que por ele se paga. O problema é que, ao contrário do mercado tradicional, no serviço público de transportes existe um fenômeno que não se pode ignorar chamado gratuidade. Daí deriva o subsídio cruzado, quando o preço cobrado de uma classe de consumidores acaba compensado pelo preço mais alto cobrado aos demais. Para se ter ideia do tamanho dessa conta, em dois anos, idosos com passe livre dobraram no metrô de São Paulo - o número que era de 25 milhões em 2013, chegou a 51 milhões no ano passado. Quem paga por eles? O contribuinte? O usuário final, que paga a tarifa toda vez que utiliza o metrô?
No sistema de ônibus, metrô e trens a coisa tem funcionado assim. Não que gratuidades não sejam necessárias; elas são, em sua maioria, mais que justas. O erro está em não garantir a receita necessária e suficiente para que elas possam ser oferecidas de maneira seletiva sem prejudicar os demais usuários do sistema de transporte.
Esta conta não pode ser paga pelos usuários, nem cabe distribuí-la por todos os contribuintes de maneira igual, o que penalizaria os mais pobres. Enquanto isso, a qualidade do sistema acaba prejudicada, isso porque parte do que poderia ser aplicado em manutenção, investimento e expansão, acaba sendo usado para garantir o equilíbrio econômico do sistema. Em época de crise a situação só piora.
Estudo realizado pela ANTP com o Ipea demonstraram há anos que o excesso de automóveis nas ruas penaliza o sistema de transporte por ônibus, impactando fortemente em seu custo final. Em resumo: quem anda de carro acaba financiado por quem opta pelo ônibus. O curioso é que na última década o forte incentivo ao automóvel só fez piorar esse fenômeno: mais carros nas ruas tornaram os ônibus ainda mais lentos, e a um custo ainda mais alto; na perda de qualidade muitas pessoas optaram por migrar para carros e motos, aumentando uma espiral ascendente que impacta negativamente na questão ambiental, na saúde pública e contribui para a falência do transporte coletivo.
O sistema de transporte coletivo – seja por trilhos, seja por pneus – vem sofrendo perdas consideráveis nos anos recentes, ao mesmo tempo em que se observou um esforço inaudito de sucessivos governos em facilitar não somente a aquisição de automóveis e motocicletas, como em melhorar e facilitar seu tráfego, com pesados investimentos em infraestrutura urbana.
caso de Curitiba é um dentre muitos exemplos: 18,29% menos passageiros em 2015 do que em 2000. Enquanto isso, as frotas de carros e motos dispararam na capital paranaense. O que se vê no país é o pedágio urbano, pena que às avessas...
Não é possível mais continuar a tratar a questão do transporte coletivo sem a devida seriedade. Assusta em ano de eleições municipais a quantidade de candidatos ainda muito preocupados em oferecer benesses aos usuários do transporte individual motorizado, sem entender o que isso significará para o conjunto das cidades.
Esta é a grande questão: por livre iniciativa os amantes do automóvel não mudarão seus hábitos, nem arredarão pé de seu modo de se locomover pela cidade. Nem com argumentos econômicos, menos ainda diante de preocupantes indicadores ambientais. E teremos não somente o transporte coletivo a cada dia pior e mais caro, como cidades mais caóticas e com péssima qualidade, não apenas ambiental, como econômica.
Em algumas importantes gestões municipais que estão findando nota-se, felizmente, que Plano Diretor e Plano de Mobilidade passaram a caminhar juntos. O caso de Minas Gerais, que apresenta um Projeto de Restrição ao Transporte Motorizado Individual como parte integrante do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de BH, é emblemático.
O Projeto de Restrição ao Transporte Motorizado Individual sugere um leque de medidas que se complementam, e que vão desde a moderação de tráfego (com redução de velocidade), metas para a redução de acidentes, até o pedágio urbano em determinadas zonas da cidade, como áreas centrais e centros históricos.
Por fim, e ainda muito importante: o transporte tornou-se um direito social garantido pela Constituição Federal. No Seminário Nacional da NTU, que transcorreu esta semana em Brasília, foi divulgada a pesquisa “Transporte Público como Direito Social – e Agora?”. Como resultado, 86,1% dos parlamentares e 83% dos demais influenciadores ouvidos responderam que o Poder Público deve participar do custeio dos transportes públicos. Mas de que maneira? Como fazê-lo, eis o imbróglio..

Encontrar fontes perenes de financiamento para o sistema de transporte coletivo, precificar com justiça e ao mesmo tempo desestimular o uso do transporte individual, e por fim definir uma política responsável de gratuidades é a trinca de desafios que precisa ser enfrentada e resolvida o quanto antes.

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