sexta-feira, 21 de junho de 2013

Tarifa zero?

Licinio da Silva Portugal*
O setor de transporte público é sabidamente vital para uma metrópole ao afetar não só a mobilidade da população como ao impactar o ambiente e o desempenho socioeconômico.  Não é por acaso que as cidades com melhor qualidade de vida também apresentam adequados sistemas de transportes. No Brasil, mesmo reconhecendo o esforço nos últimos anos em reverter o quadro caótico do  transporte urbano, fruto de décadas de abandono, muito  trabalho ainda há por se fazer.

Por ser usado coletivamente e cotidianamente, o transporte público se caracteriza por sua capacidade de aglutinar pessoas e potencializar manifestações. Mesmo na época da ditadura, algumas das poucas manifestações populares ocorreram em estações de trem e terminais rodoviários a partir de falhas e defeitos nos transportes. Claro que eram ações isoladas e desorganizadas, exprimindo um gesto de desespero individual mas inspirado pela força do coletivo.

Além dessas manifestações pontuais, a população vem convivendo passivamente com um serviço que normalmente é de má qualidade. Entretanto, ela tende a ser  mais sensível e crítica à tarifa cobrada. O movimento Passe Livre sugere isso com destaque à proposta Tarifa Zero. Naturalmente a tarifa, pela sua relevância e visibilidade, tem um grande apelo, mas ela reflete apenas um dos sintomas que expressam os problemas de transportes em nossas principais cidades.
Vale a pena ressaltar que a tarifa resulta fundamentalmente: a)  do custo para se fornecer o serviço de transporte para cada passageiro e b) da parcela que será subsidiada pelo governo e empregador, sendo que neste artigo optamos por abordar apenas o primeiro tema, o custo associado ao transporte público, que depende de vários fatores,  dentre os quais destacamos:

-  A organização espacial das atividades socioeconômicas. Ou seja, se espera que um desenvolvimento mais compacto e equilibrado, buscando um melhor balanceamento entre moradias e empregos e uma maior proximidade entre elas e demais atividades, contribua para deslocamentos mais curtos, que podem ser realizados a pé e por bicicleta, requerendo menos infraestruturas para o transporte motorizado e minimizando os custos derivados.

- Na medida em que se deve garantir o acesso da população a todo o território metropolitano, pressupõe-se ser necessária uma rede estruturante de transporte, compatível com princípios de equidade e de desenvolvimento sustentável, e  que proporcione  a integração entre as diferentes modalidades. De tal forma que as modalidades de maior capacidade, como o trem e o metrô, assumam um papel principal no sistema e sejam alimentadas pelas de menor capacidade, garantindo uma maior racionalidade e eficiência  e, consequentemente, custos menores.

- A capacidade e a qualidade de serviço a serem fornecidas aos usuários, cujos padrões definem os custos.
O custo de transportes que vai determinar o valor da tarifa é, portanto, influenciado por dimensões que normalmente não são percebidas, mas que precisam ser explicitadas, valorizadas e tratadas nesse processo por meio de funções como:

1)  Planejamento urbano que promova uma mobilidade baseada nas modalidades menos agressivas ambientalmente e de maior produtividade social;
2) Planejamento da rede estrutural e integrada de transportes, articulada ao uso do solo e às políticas habitacionais;
3) Projeto do sistema de transporte que dimensione a oferta de acordo com a demanda a ser atendida e com apropriada qualidade de serviço;
4) Operação e manutenção dos transportes;
5) Monitoração e controle do desempenho dos transportes, da oferta praticada e da   qualidade de serviço  fornecida aos passageiros.

Nas cidades brasileiras, o modelo tradicionalmente adotado contempla a privatização da operação do serviço, que é uma das cinco funções citadas anteriormente.  No entanto, o que se verifica de uma forma geral  é que a administração pública, seja municipal seja estadual,  também não exerce plenamente as  outras quatro  atribuições.   Ou seja, não planeja ou então realiza planos urbanos e de transportes muito mais para cumprir uma exigência legal e não como um instrumento efetivo de transformação. Também não projeta nem controla a oferta de transporte. Certamente, isso interfere não só na tarifa mas na qualidade do transporte, que seguramente não corresponde ao valor cobrado ao passageiro, podendo ser este  um dos principais motivos de insatisfação.
Nesse contexto,  e considerando a repercussão que vem sendo dada ao Movimento Passe Livre, tem-se uma ótima oportunidade  para se incluir na pauta de discussão sobre  a redução da tarifa,  que as prefeituras e governos estaduais cumpram com o seu dever  de planejar, projetar e controlar os serviços de transporte público. 

Essas ações só dependem de disposição política para se investir na qualificação profissional e em um marco institucional preparado para bem executar suas obrigações. E que isso ocorra em ambientes transparentes e participativos, que incentivem o exercício de cidadania e a construção de um projeto para a metrópole. 

Espera-se assim dispor-se de condições  favoráveis para que:

1) os recursos governamentais em transportes sejam orientados prioritariamente à mobilidade não motorizada (a pé e bicicleta), ao transporte público e mesmo para seu subsídio; e
2) se  promovam não só a redução das tarifas mas, também, uma qualidade de transportes digna para os seus usuários.

 * Licinio da Silva Portugal, professor do programa de engenharia de transportes da Coope/UFRJ , é coordenador da Rede PGV. - redpgv.coppe.ufrj.br

Uso político de tarifas
O Estado de S. Paulo - 25/05/2013

O anúncio da nova tarifa dos três meios de transporte coletivo da capital paulista - ônibus, metrô e trem -, que vai vigorar a partir do dia 2 de junho, deixou bem claro o caráter predominantemente político desse aumento. Ela passa de R$3,00 para R$ 3,20, um reajuste de 6,7%, muito abaixo da inflação no caso do ônibus, serviço gerido pela Prefeitura, cujo índice acumulado desde o último aumento foi de 14,4%. No caso do metrô e do tren, estes de responsabilidade do Estado, a diferença foi menor (inflação de 7,2%).

Os paulistanos terão a ilusão de que estão sendo favorecidos, mas acabarão por perceber que não existe nada de graça e eles é que, de uma forma ou outra, pagarão a conta desse artifício.

Por interferência direta do governo federal - que com isso tenta conter a escalada da inflação e favorecer a reeleição da presidente Dilma Rousseff -, o prefeito Fernando Haddad concordou com um aumento irreal, que deveria ficar entre R$ 3,20 e R$ 3,30. Constrangido, o governador Geraldo Alckmin teve de aceitar também a proposta. Se não o fizesse, pagaria um preço político alto, pois certamente seria apontado como o responsável pela adoção impopular de uma tarifa maior.

Para forçar a opção pelo valor mais baixo, de R$ 3,20, o governo federal prometeu editar Medida Provisória suspendendo a cobrança de dois impostos - PIS e Cofins - sobre a tarifa de ônibus, metrô, trens e barcos. Como isso não pode ser feito apenas para esta ou aquela cidade isoladamente, ela atinge todo o País.

Essa renúncia fiscal, portanto, é parte do preço a pagar para evitar que o aumento realista das tarifas de transporte coletivo nas capitais, a começar por São Paulo, que tem um peso grande no índice inflacionário, prejudique projetos eleitorais.

O alvo não é domar a inflação - com o que toda pessoa sensata estaria de acordo -, mas abrir caminho para as ambições políticas da presidente e seu partido. Essa intenção já tinha ficado evidente, quando o governo federal interveio com êxito junto a Haddad e Alckmin, meses atrás, para conseguir deles o adiamento do reajuste daquela tarifa, normalmente feito em janeiro ou fevereiro, para junho.

Não contente, agora ele resolveu jogar mais pesado e novamente obteve o que queria. O prejuízo, que tinha sido grande com o dinheiro que deixou de entrar por causa do adiamento, ficou ainda maior com o aumento abaixo da inflação.

Os cálculos feitos pela própria Prefeitura, como mostra reportagem do Estado, indicam que a conta vai ser salgada. Os subsídios ao serviço de ônibus devem chegar a R$ 1,25 bilhão este ano, valor que é o dobro do previsto no orçamento. Maior também do que o que foi pago no ano passado -R$ 960 milhões. Esse dinheiro vem dos impostos, ou seja, os bilionários subsídios aos ônibus serão pagos por todos os paulistanos, não apenas pelos que usam esse meio de transporte. Com a agravante de que o serviço prestado pelas empresas concessionárias é, notoriamente, de péssima qualidade.

Outro aspecto negativo do aumento considerável dos subsídios, provocado pelo reajuste irreal da tarifa, é que, como esse dinheiro não cai do céu, ele terá de ser tirado de outros setores da administração. A capacidade de investimento da Prefeitura, que já está muito abaixo das necessidades, como não se cansa de reclamar o atual governo, sofrerá novo baque, de algumas centenas de milhões de reais. Embora os dois tenham sido envolvidos na manobra eleitoral da presidente, a ênfase vai para o prejuízo da Prefeitura, porque ele é maior que o do Estado.

O uso político de tarifas de serviços públicos sempre dá errado. O ex-prefeito Gilberto Kassab também congelou a tarifa de ônibus por mais de dois anos, com objetivos eleitorais, com as mesmas conseqüências de agora, e sofrendo de seus adversários - nesse caso com toda razão - as mesmas críticas. Essa lição, apesar de tão recente, não foi aprendida. Haddad, pressionado pela presidente Dilma, e Alckmin, constrangido pelos dois, estão repetindo o erro, pelo qual, é claro, os paulistanos vão pagar.

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