quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

A real ineficiência

"Se o modelo de circulação de automóveis não for revisto, vai tornar as cidades brasileiras inviáveis. O caos urbano inviabiliza a economia da cidade. Isso acontece, por exemplo, com as indústrias em São Paulo, que estão migrando para as cidades menores do entorno" - Ieda Maria de Oliveira Lima, consultora na área de transportes e ex-pesquisadora do Ipea

O jornal O Globo, em seu caderno "Zona Sul" desta quinta (23), divulga uma pesquisa realizada pela PUC- Rio sobre planejamento do transporte coletivo ["Ônibus da Zona Sul do Rio circulam com 50% da capacidade em horário de rush, mostra estudo"]. Trata-se de um estudo feito entre os meses de março e julho pela estudante de Engenharia de Produção Marina Waetge, divulgado em agosto. Segundo o estudo, "80 linhas municipais que circulam hoje entre Zona Sul e Centro do Rio costumam rodar com apenas 15% de sua capacidade fora dos horários de pico; e com aproximadamente 50% da capacidade em horas de rush. Isso se dá, principalmente, por causa da sobreposição de muitas dessas linhas, que fazem quase os mesmos trajetos, com uma ou outra ramificação".

Informa o jornal que o objetivo do estudo "é disponibilizar mais ônibus onde eles realmente são necessários, e nos horários em que a demanda é maior", afirmando que tal situação ocorre por não haver "um redimensionamento de acordo com a demanda".

Se por um lado estudos de tal natureza contribuem para ampliar o debate sobre a eficiência dos sistemas de transporte coletivo em grandes cidades, Eduardo Vasconcellos, da ANTP, chama a atenção para um aspecto tão ou mais importante. Concordando que "é sempre importante buscar a boa operação dos ônibus" ele diz que "o que preocupa em estudos e comentários é que estão exigindo do ônibus algo que ele não pode nem deve oferecer e estão fazendo comparações apressadas sobre a suposta 'ineficiência' do serviço prestado por estes veículos", ele diz.

Para reforçar sua preocupação, Eduardo chama a devida atenção para quatro fatores, que devem ser levados em conta. Primeiro, diz ele, "um ônibus com 5 ou 6 passageiros consome menos espaço e energia e emite menos poluentes de GEE (Gases do Efeito Estufa) que um automóvel com 1 passageiro; isto não significa que os ônibus devam circular com poucos passageiros - quanto maior a quantidade, melhor - mas mostra como é perigoso fazer comparações apressadas entre os modos".

O segundo fator, destacado por Eduardo, na verdade é uma importante lembrança: "quem causa congestionamento nas vias do Brasil é o excesso de automóveis e não de ônibus". Convêm lembrar que os engarrafamentos nas grandes cidades provocam uma série de prejuízos, diretos e indiretos, como o tempo perdido e o aumento do nível de estresse da população (diminuição da produtividade), o desperdício de combustível (perdas econômicas), o acréscimo exponencial de acidentes (a piora da segurança viária), o aumento da poluição e o aumento do custo de operação dos ônibus (e da tarifa), que resulta da queda da sua velocidade média.

O terceiro fator, diz o assessor da ANTP, está em saber que "qualquer rede de ônibus no mundo tem linhas com poucos passageiros; isto é da natureza do sistema, para atender melhor os usuários em áreas específicas e não pode ser considerado um 'problema' em si (embora seja sempre importante buscar eficiência). A capilaridade do sistema é essencial para o atendimento adequado e demandas mais baixas não são motivo obrigatório para reduzir a oferta."

E por fim, mas não menos importante, Eduardo cita o quarto fator: "a integração pode ser muito boa, mas seu excesso pode piorar muito o acesso e o conforto dos usuários". Ou seja, ele alerta que a idéia técnica da "racionalidade", se mal aplicada, pode vir acompanhada de um grande prejuízo aos usuários.

Para finalizar, lembremos aqui os dados de uma pesquisa da CNT, divulgada em 2002, quando a situação dos congestionamentos nas grandes cidades já era preocupante, seguramente bem menos que hoje. A pesquisa, que demonstrava, como de costume, a opção preferencial do brasileiro pelo transporte individual, apontava que nos principais corredores urbanos de transporte os automóveis ocupavam 58% do espaço viário, enquanto carregavam somente 20,5% das pessoas - baixíssima eficiência. A situação dos ônibus era inversa: sendo o meio de deslocamento usado por 68,7% dos passageiros, preenchiam apenas 24,6% do asfalto das avenidas e ruas das cidades brasileiras - como ser eficiente?

Para se buscar mais eficiência e qualidade nos sistemas de ônibus é preciso que as ruas e avenidas estejam livres para a circulação e o transporte de mais pessoas. Quando isso de fato acontecer, menos ônibus transportarão mais pessoas em menos tempo. Ou seja, parece claro que é preciso que a maior ineficiência, mãe de todas as outras, essa sim seja enfrentada: o transporte por automóveis, principal foco do grande e insolúvel obstáculo a qualquer sistema de mobilidade urbana.

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