segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Mobilidade agora é lei: a rua é das pessoas, não só dos carros

Autor(es): André Lima
Correio Braziliense - 27/08/2012

Advogado, sócio-fundador do Instituto Democracia e Sustentabilidade e integrante do Movimento Nossa Brasília

Em abril deste ano, ano entrou em vigor a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei federal nº 12.587/11), que estabeleceu, entre outras medidas, a priorização do transporte público e não motorizado (pedestres e ciclistas) em detrimento do transporte individual. Definiu também a obrigatoriedade aos municípios com mais de 20 mil habitantes de elaborarem, até 2015, planos locais de mobilidade.

Entretanto, com mais de 80% da população brasileira habitando as cidades, hoje as vias públicas têm uso praticamente privatizado. Nos horários de pico, os automóveis particulares ocupam, em média, mais de 80% das pistas, mas transportam menos de 25% das pessoas em desloucamento.

Os prejuízos globais anuais decorrentes dos congestionamentos, somente na Região Metropolitana de São Paulo, podem alcançar a incrível cifra de R$ 60 bilhões ao ano, o que corresponde a duas vezes o Orçamento do DF. Além dos prejuízos econômicos, morrem em acidentes de trânsito, em todo o país, por dia, mais de 110 pessoas; 300 ficam com sequelas físicas e outras 3 mil são feridas — números de uma tragédia cotidiana e silenciosa.

De acordo com o Plano Setorial de Clima para Transportes e Mobilidade Urbana, o transporte individual foi responsável por quase 70% das emissões totais de CO2 e 78% do consumo total de combustíveis fósseis do setor em 2010. Estima-se que até 2020 o setor ainda aumentará suas emissões em pelo menos mais 66%. Hoje, a queima de combustíveis fósseis em transportes é responsável por mais de 1/3 das emissões nas grandes cidades brasileiras.

Como priorizar as ruas para as pessoas e o transporte coletivo e atingirmos índices desejáveis de mobilidade "sustentável", se, ao mesmo tempo, para enfrentar os efeitos da crise econômica global, o governo brasileiro insiste em ampliar e facilitar o acesso a crédito e subsídios tributários para o consumo e uso de automóveis?

Segundo números do Ministério da Fazenda, a renúncia fiscal com a redução da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) para gasolina será de mais de R$ 4,5 bilhões; e de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre automóveis e comerciais leves, de R$ 1,2 bilhão, somente este ano. De acordo com Nazareno Afonso, ex-secretário de Transportes do DF e coordenador do Movimento em Defesa do Transporte Público de Qualidade para Todos (MDT), para cada R$ 1 investido em transporte público, R$ 12 foram utilizados no incentivo tributário para carros e motos; dos subsídios para transporte de passageiros, 90% foram para aquisição e operação de veículos individuais.

O problema maior não são os incentivos de aquisição de veículos particulares, mas a timidez dos incentivos e das políticas que incentivem a universalização do uso de modais de transporte mais sustentáveis. O PAC da Copa e o PAC Mobilidade — Grandes Cidades, por exemplo, preveem R$ 30 bilhões para 24 cidades. A eliminação do deficit de infraestrutura de transporte público exige, no entanto, de acordo com a Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP), investimentos da ordem de R$ 400 bilhões.
A nova lei prevê a possibilidade de taxação, de pedágio e o disciplinamento da circulação e estacionamento de transporte motorizado individual em áreas críticas, a descentralização e o adensamento de atividades econômicas ao longo de eixos de transporte coletivo, a busca de maior eficiência energética para os veículos de transporte coletivo público, melhoria de qualidade e redução dos custos de viagens em transportes públicos, entre outras importantes medidas.

Se isso de fato ocorrer, haverá redução significativa nos congestionamentos e, consequentemente, de custos ao Estado (combustível, manutenção etc.), menos poluição (emissões de CO2), diminuição de tarifas, e  violência no trânsito; mais saúde física e mental para pedestres, ciclistas e motoristas; e melhor qualidade de vida para todos.

Como a sociedade pode contribuir para a efetiva e mais rápida implementação da lei? Quais os principais gargalos e desafios? O que já vem sendo feito no Brasil e merece ser iluminado? Quais as potenciais interfaces e sinergias entre a agenda climática, ambiental e de mobilidade urbana? Várias são as questões que a sociedade precisa debater e compreender melhor para se apropriar da política e garantir resultados.
A nova lei nos impõe, à sociedade e ao poder público, novas e grandes responsabilidades no que se refere à cidade que queremos para nós e nossos filhos. A hora é agora: ou vai ou para!

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