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RIO — Nos dias em que precisa
  ir ao Jardim Botânico, onde faz mestrado em Botânica, Beatriz Castro Miranda,
  de 28 anos, leva de duas horas e meia a três horas e pega
  dois ônibus para chegar ao seu destino. Na volta para casa, na Ilha
  do Governador, é outra longa viagem, geralmente sem refresco. As horas
  perdidas no trânsito, porém, poderiam ser acompanhadas de mais conforto se
  estivesse perto de ser cumprida a cláusula do Termo de Ajustamento de Conduta
  (TAC), firmado pela prefeitura com o Ministério Público, em 2013,
  estabelecendo prazo até o fim de 2016 para que todos os ônibus do
  Rio tivessem ar-condicionado. 
Mas a Cidade Olímpica está bem
  longe de alcançar os 100% de coletivos climatizados. Dados obtidos através da
  Lei de Acesso à Informação, solicitados pelo GLOBO, mostram um legado de
  “quentões”. Em julho, dos 7.847 ônibus de linhas regulares do Rio,
  apenas 3.090 tinham ar-condicionado, ou seja, 39,4% do total. O pedido foi
  feito no dia 16 de julho e respondido em 23 de agosto pela Coordenadoria
  Geral de Gestão da Operação da Secretaria municipal de Transportes. A
  prefeitura, porém, não informou que linhas operam esses veículos
  refrigerados. 
— Certamente, a situação já foi
  pior do que é hoje. Mas ainda é muito ruim. Às vezes consigo pegar
  um ônibus refrigerado. Numa cidade quente como a nossa, é cansativo
  viajar horas num ônibussem ar — diz Beatriz. 
A auxiliar de escritório Samira
  Kader, de 30 anos, passa pelo mesmo incômodo. São três ônibusaté chegar
  ao trabalho e, na volta, mais três até Honório Gurgel, onde mora. E em
  companhia da pequena Maria Fernanda, sua filha de 2 anos. 
— Pego
  dois ônibus até a Central, onde deixo minha filha numa creche.
  Depois pego outro até o trabalho, no Largo da Carioca. Quando saio, apanho a
  Maria Fernanda e voltamos para casa. São seis ônibus por dia. Se
  consigo três com ar na semana toda, é um milagre — conta Samira. 
Informações repassadas pela
  prefeitura à 8ª Vara de Fazenda Pública, onde tramita processo impetrado pelo
  Ministério Público estadual, revelam que, em março deste ano, a frota — que
  foi reduzida de lá para cá — somava 8.552 ônibus em linhas
  convencionais e 350 em BRTs. Excetuando-se os que trafegam nos corredores
  expressos, eram 4.861 coletivos sem ar para 3.691 climatizados (43%). 
Segundo dados enviados à
  Justiça, o consórcio Internorte (que opera na Zona Norte) tem apenas 32% dos
  veículos com ar; o Intersul (que atende à Zona Sul), 52% ; o Santa Cruz (Zona
  Oeste), 45%; e o Transcarioca (Barra e Jacarepaguá), 49%. 
Para José de Oliveira Guerra,
  professor de Engenharia de Transporte da Uerj que presidiu a
  extinta Superintendência Municipal de Transportes Urbanos (SMTU) no fim da
  década de 1990, as desculpas de ontem não valem para hoje: 
— Antes, os empresários
  alegavam dificuldades de peças de reposição para não instalar ar nosônibus.
  Hoje, não é mais assim. É uma mera questão de investimento. É importante
  considerar que a aparelhagem entra nos cálculos tarifários. O ressarcimento
  do investimento se dá através da tarifa. Não sabemos as razões de a exigência
  não ser cumprida. Estamos diante de uma questão jurídico-institucional. Não
  se trata de um problema técnico. 
A dona de casa Helen dos
  Santos, moradora de Bonsucesso, é outra que protesta. Porém, na tarde da
  última sexta-feira, conseguiu algo nada comum: embarcar
  num ônibus com ar-condicionado, no ponto da Avenida Presidente
  Vargas, próximo à Central do Brasil. 
— Que raridade. Deixa eu
  correr. Não posso perder. Os ônibus com ar somem principalmente
  quando está calor — apressa-se Helen, puxando a filha Júlia. 
Mesmo a Zona Sul tendo
  mais ônibus climatizados, as queixas dos usuários não diminuem. É o
  caso de João Luiz Botto, de 35 anos, que trabalha em um hotel em Copacabana: 
— São poucos
  os ônibus com ar, infelizmente. Além da refrigeração, são mais
  silenciosos. Os outros são muito barulhentos. 
O RioÔnibus — sindicato que
  representa as empresas —, através de sua assessoria, disse que não daria
  quaisquer informações sobre a implantação de ar-condicionado em seus
  coletivos, alegando que quem trata do assunto é a Secretaria municipal de
  Transportes. 
Sindicato não informa
  percentual 
A secretaria, por sua vez, não
  informa o total de ônibus convencionais com ar. Por e-mail, cita
  percentual de oito meses atrás: em janeiro, 57,93% das viagens (e não
  dos ônibus) eram feitas em coletivos refrigerados. Segundo o órgão, esse
  percentual “ainda não está atualizado com os novos veículos que entraram no
  sistema este ano, com o início das operações do BRT Transolímplico
  e do Lote Zero (doTransoeste), além de novos ônibus de linhas
  convencionais”. Alega que “as pesquisas de transporte de
  passageiros nesses novos carros ainda estão em curso”, e que “o balanço será
  fechado no fim do ano”. E, apesar da decisão judicial suspendendo efeitos do
  decreto que fixou nova meta, reiterou que até o fim deste ano 70% das viagens
  serão refrigeradas. 
Em 2013, o Ministério Público
  estadual ingressou com ação civil pública visando a compensar os impactos das
  obras do Porto Maravilha na mobilidade urbana. Ainda naquele ano,
  foi firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Entre as obrigações,
  havia a de instalar ar-condicionado em 100% da frota de ônibus do
  Rio até 31 de dezembro de 2016. 
Município não cumpriu a própria
  meta 
Por resolução, em 2015, o
  município estabeleceu que naquele ano seriam incorporados 2.233
  novos ônibus com ar à frota. No fim do ano passado, no entanto,
  verificou-se que a aquisição dosônibus climatizados passou longe da
  meta. 
— Foram adquiridos apenas
  1.553 ônibus climatizados (em 2015), caracterizando déficit de 680
  coletivos com ar — conta Laiana Carla Ferreira, assessora jurídica do Grupo
  de Atuação Especializada em Meio Ambiente (Gaema) do MP. 
Além disso, por decreto, o município
  estabeleceu uma meta diferente da fixada pelo TAC. A obrigação passou a ser
  de 70% das viagens climatizadas até o fim de 2016. 
Ao negar o pedido do quarto
  recurso impetrado pela prefeitura, em julho, o juiz da 8º vara de Fazenda
  Pública, Leonardo Grandmasson Chaves, não prorrogou o prazo de climatização
  da frota. Ele suspendeu os efeitos do decreto de 2015 e fixou multa de R$ 20
  mil por cada veículo sem ar após 31 de dezembro. 
Mas a briga na Justiça não está
  encerrada. Segundo o MP, o município chegou a entrar com recurso (agravo de
  instrumentos) contra a decisão de julho, mas 2ª Câmara Cível manteve a
  sentença de Leonardo Grandmasson Chaves. Há ainda outro recurso (embargo de
  declaração) impetrado na 8ª Vara. 
— Recorrer é direito de todos.
  Isso não quer dizer que quem recorre será beneficiado no final. Se condenado,
  terá de pagar as multas e ressarcir danos — diz o advogado Armando de Souza,
  presidente da Comissão de Trânsito da OAB-RJ. 
Trens avançaram na climatização
  da frota 
Mesmo sem decisões judiciais
  determinando a climatização, outros meios de transporte de
  passageiros avançaram mais em relação a dotar os veículos de ar-condicionado.
  No metrô, por exemplo, 100% das composições são refrigeradas. Na
  SuperVia, 189 dos 201 trens são climatizados. Segundo a concessionária, 95%
  das viagens são realizadas em trens com ar-condicionado, em média, nos dias
  úteis, contra 24% em 2010. No ramal de Deodoro, só circulam trens
  refrigerados. Nos fins de semana e feriados, os passageiros também ficam
  livres do calor. 
A entrada em operação dos trens
  chineses, em 2006 e 2007, a reforma de composições e a compra de 120 unidades
  — 20 pela concessionária e cem pelo governo do estado — permitiram a
  modernização da frota. Com a chegada de outros 12, adquiridos pelo estado, no
  primeiro trimestre de 2018, as composições antigas estarão aposentadas, e
  todos os trens serão climatizados. 
Quanto às 17 barcas que
  circulam na Baía de Guanabara, 11 são refrigeradas. Os catamarãs com ar
  operam em todas as linhas da CCR Barcas. Entretanto, segundo a
  concessionária, a frota é alocada de acordo com a necessidade da operação,
  não havendo embarcações específicas para as linhas. Também não há previsão
  para que todas as barcas tenham ar-condicionado. |